Julgamento de afegão acusado de crimes de guerra tem início no tribunal de Haia

Suspeito é acusado de comandar a temida prisão de Pul-e-Charkhi, onde detentos teriam sido eletrocutados e até executados na década de 1980

Começou na quarta-feira (16), no Tribunal de Haia, na Holanda, o julgamento de um afegão de 76 anos acusado de torturar prisioneiros enquanto trabalhava em uma prisão de Cabul na década de 1980. As informações são da rede Radio Free Europe.

O homem, identificado como Abdul R., é acusado de chefiar a prisão de Pul-e-Charkhi, onde detentos foram supostamente mantidos em cárcere sem julgamento prévio, além de terem sido torturados e executados.

Abdul responderá por ter sido cúmplice de tratamento desumano e privação de liberdade. Se condenado, ele pode pegar de 20 anos a prisão perpétua.

A temida prisão Pul-e Charkhi, no Afeganistão, no extremo leste de Cabul (Foto: WikiCommons)

O acusado, que passou a viver com identidade falsa em 2001 na Holanda, como refugiado, foi preso em 2019 após a polícia ter recebido denúncias sobre seu papel como chefe na famigerada casa de detenção no Afeganistão, por meio de postagens em blogs. Ele argumentou aos juízes que a acusação era um engano e que havia sido confundido com outra pessoa.

“Eu não sou a pessoa que vocês estão procurando”, sustentou ao tribunal antes de se recusar a responder a perguntas, alegando estar doente e pedindo para voltar para sua cela. “Não me lembro de nada, nem mesmo do meu próprio nome”.

Os promotores garantem estar diante da pessoa certa. Segundo eles, Abdul foi comandante e chefe de assuntos políticos da prisão de 1983 a 1990, período em que milhares de opositores do regime comunista foram detidos sem julgamentos justos.

Os prisioneiros eram integrantes das forças rebeldes afegãs conhecidas como mujahidin, que, apoiados pelos EUA, combateram no conflito conhecido como Guerra Afegã-Soviética, que durou de 1979 a 1989. Na sangrenta guerra, em que o governo do Afeganistão foi apoiado pela União Soviética, cerca de um milhão de afegãos perderam a vida, enquanto outros milhões foram deslocados.

O depoimento de uma testemunha foi lido no tribunal. O relato revela que os detentos eram regularmente submetidos a sessões de tortura, que incluíam choque elétrico, espancamentos ou a remoção das unhas. Todos eram mantidos em condições precárias e insalubres.

“Os presos foram executados sem julgamento. À noite, os prisioneiros eram fuzilados”, disse uma testemunha.

Segundo a promotora Mirjam Blom, a intenção do tribunal, além de fazer justiça a casos que não devem ser esquecidos, é impedir que a Holanda seja um refúgio seguro para criminosos de guerra, mesmo que os crimes tenham acontecido há muito tempo e longe do país.

“Achamos que é muito importante que esses crimes de guerra, os crimes mais graves existentes, sejam eventualmente processados. Não importa há quanto tempo tenham sido cometidos”, disse ela à agência Associated Press.

O julgamento é o mais recente de uma série de esforços no continente europeu para responsabilizar autores de crimes em países devastados por conflitos, incluindo Síria e Afeganistão.

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