Moçambique não reconquistará Cabo Delgado sem ajuda, diz analista

Vulnerabilidades do país se refletem na incapacidade do Exército de derrotar insurgentes do Estado Islâmico

A recaptura de Cabo Delgado, província de Moçambique tomada por militantes do EI (Estado Islâmico), não será possível sem ajuda externa. A análise é do pesquisador do movimento jihadista sunita Tore Hamming ao portal Lawfare.

A primeira investida do Exército moçambicano contra os insurgentes do EI aconteceu na cidade portuária de Mocímboa da Praia, em agosto de 2020. Sem sucesso, os militantes tomaram parte das armas e mataram cerca de 20 soldados.

Desde então, a violência é crescente na região. Mais de 565 mil pessoas já deixaram a província, rica em gás natural. O terror gerado pelos militantes, que recrutam jovens sem perspectivas, soma dois mil mortos.

Moçambique não reconquistará Cabo Delgado sem ajuda externa, diz analista
Crianças refugiadas dos ataques de insurgentes do Estado Islâmico em Metuge, Cabo Delgado, em dezembro de 2020 (Foto: Unicef/Mauricio Bisol)

O número, porém, pode se multiplicar para dezenas de milhares, como alertaram agências humanitárias à Reuters. Em um dos casos, 50 pessoas foram decapitadas em um campo de futebol em novembro.

Para Hamming, a tomada de Cabo Delgado é, até agora, um case de sucesso do EI. Enfraquecido em 2016, o grupo recuperou força e demonstra sua capacidade de atrair milícias locais, fornecer plataformas de organização e, em troca, lucrar com seus ataques.

Forças do exterior

A extrema desigualdade social, as tensões étnicas, a grande população jovem do país – 45% tem entre 15 e 35 anos – e o alto desemprego (cerca de 80%) impulsionam o conflito em Moçambique.

“O problema a curto prazo, porém, é que o Exército moçambicano simplesmente não está à altura da tarefa de combater sozinho os militantes”, aponta Hamming.

A falta de treinamento adequado já gera denúncias de atrocidades contra civis e o governo passou a contar com milícias locais para compensar as deficiências. Maputo também já busca auxílio estrangeiro com os mercenários russos Wagner Group, acusados de crimes de guerra na Líbia.

Moçambique não reconquistará Cabo Delgado sem ajuda externa, diz analista
Imagem divulgada pelo Estado Islâmico após tomada de controle da cidade portuária de Mocímboa da Praia, em Moçambique (Foto: Reprodução)

Países como Tanzânia, África do Sul, Portugal, EUA e Reino Unido já estão em negociação, mas não há qualquer intervenção até o momento. “No Ocidente, é provável que haja pouco interesse político em engajar-se militarmente”, disse Hamming.

Os países se voltarão a Moçambique caso os estragos ameacem os interesses ocidentais e extrapolem o âmbito local ou regional. A suspensão de um projeto de extração de gás liquefeito da empresa francesa de energia Total pode ser um motivo.

Insurgência do EI

O EI ganhou espaço em Moçambique por meio do grupo islâmico Ahlu Sunnah wa-l-Jama’ah, também conhecido como Al-Shabab – sem relação com a agremiação filiada à Al-Qaeda da Somália.

Historiadores estimam que o grupo – hoje conhecido como Estado Islâmico de Moçambique – surgiu como uma seita muçulmana em 2007. À época, o grupo se opunha às instituições educacionais formais, e a questões litúrgicas como orar apenas três vezes ao dia e vestindo sapatos.

Isolada por alguns anos, em 2015 passou a construir escolas e suas próprias mesquitas, onde incentivou o proselitismo e passou a oferecer educação à população local, inclusive às mulheres.

Moçambique não reconquistará Cabo Delgado sem ajuda externa, diz analista
Famílias refugiadas após conflitos de insurgentes do EI em Cabo Delgado, Moçambique, em dezembro de 2020 (Foto: UN Photo/Mauricio Bisol)

Em consequência, o grupo se popularizou e entrou em novos confrontos com as entidades muçulmanas da região, que mantinham os costumes tradicionais do Islã.

Uma queixa de líderes comunitários de Mocímboa da Praia, em outubro de 2017, resultou na prisão de 30 membros do grupo e foi o estopim para uma conflituosa relação, que culminaria no encontro com o Estado Islâmico poucos anos depois.

Trinta ataques se seguiram desde 2017 até a primeira tomada de Mocímboa da Praia, em março de 2020. Em agosto, um novo ataque concretizou a união dos dois grupos: Al-Shabab e EI. Em uma espécie de rebranding, o grupo local anunciou sua lealdade ao grupo.

No Brasil

Casos mostram que o país é um “porto seguro” para extremistas. Em dezembro de 2013, um levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino. Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos. Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram. Saiba mais.

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