Em 2018, o orçamento militar da Sérvia foi de US$ 700 milhões. Agora, mesmo em meio a uma pandemia que exige investimento elevado, o país mais do que duplicou aquele valor, para US$ 1,5 bilhão. Assim, deixou para trás a vizinha Croácia, que é membro da Otan (organização do Tratado do Atlântico Norte), e tornou-se a nação mais militarizada dos Bálcãs, colocando as nações mais próximas em alerta. As informações são da agência catari Al Jazeera.
No mês passado, durante as comemorações de um feriado nacional, o presidente Aleksandar Vucic celebrou o fato de o exército sérvio estar “cinco vezes mais forte” hoje em relação há alguns anos atrás. Ele tratou o orçamento elevado como uma conquista nacional e disse que o poderio militar “aumentará drasticamente nos próximos nove meses”, e que o exército “sempre estará em posição de defender nosso país e nosso povo”.
O incremento do arsenal sérvio não é ignorado pelos vizinhos. Em julho, a Bósnia e Herzegovina manifestou preocupação quando o Ministro do Interior da Sérvia disse que “a tarefa desta geração de políticos é formar um mundo sérvio, ou seja, unir os sérvios onde quer que vivam”. A declaração foi interpretada como uma referência à Guerra da Bósnia, ancorada no conceito de “Grande Sérvia” que levou a uma limpeza étnica por forças militares e paramilitares sérvias no país vizinho, entre 1992 e 1995.
Para Daniel Serwer, um dos negociadores do Acordo de Paz de Dayton de 1995, que encerrou aquele conflito, é impossível separar a declaração do ministro do massacre dos anos 1990. “O mundo sérvio é indistinguível da Grande Sérvia, ou de todos os sérvios em um país”, diz ele.
Na visão de Reuf Bajrovic, da organização “Aliança EUA-Europa”, a movimentação militar da Sérvia sugere a intenção de agir no Kosovo e na Bósnia assim que as circunstâncias lhe forem favoráveis. São duas as hipóteses que dariam a Vucic a confiança para iniciar um conflito: a saída das tropas norte-americanas da força de paz estabelecida no Kosovo ou uma sinalização de que a Rússia, principal aliada de Belgrado, esteja disposta a interceder na região.
“Mercenários treinados pela Rússia na Bósnia e em Montenegro são parte integrante da estratégia militar sérvia para a região. É uma cópia carbono das ações pré-invasão de Putin na Geórgia e na Ucrânia”, diz Bajrovic. “Oficiais do governo de Vucic declararam abertamente que a Sérvia usará força militar em sua vizinhança, incluindo uma ameaça que Vucic lançou contra as tropas da Otan no Kosovo recentemente”.
A eventual ação militar na Bósnia teria um efeito imediato, que seria o fim das ambições da Sérvia de ingressar na União Europeia (UE). “Mas Vucic parece já ter desistido da adesão à UE“, diz Serwer, que acrescenta. “A situação é perigosa. A Otan precisa deixar claro que não tolerará a mobilização de forças sérvias contra seus vizinhos, como fez contra o Kosovo, que não tem exército”.
Por que isso importa?
A questão no Kosovo é particularmente espinhosa. Sérvia e Kosovo mantêm péssimas relações desde a guerra travada em 1998 que separou o território do país báltico. Após sua declaração unilateral de independência de Belgrado, em 2008, o Kosovo hoje tem o reconhecimento dos EUA e da UE, enquanto Sérvia e Rússia ainda reconhecem o território como sendo sérvio.
No caso da Bósnia, a questão étnica gera uma tensão interna que remete ao Acordo de Paz de Dayton, que acabou por dividir o país em duas entidades políticas independentes: a Federação da Bósnia-Herzegovina, a cargo de Bosniaks (muçulmanos) e croatas, e a República Srpska, controlada por sérvios étnicos. Uma eventual invasão sérvia teria como objetivo colocar sob o domíncio de Belgrado o território de maioria sérvia.