Segundo especialistas, Wagner Group é suspeito de crimes de guerra na Líbia

Relatório aponta violações por parte da organização paramilitar, que teria atirado em pessoas mantidas sob custódia em setembro de 2019

A execução de prisioneiros por mercenários russos na Líbia consta entre os possíveis crimes de guerra cometidos pelas várias partes envolvidas na luta armada que assola o país, disseram especialistas em direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) na segunda-feira (4). Segundo informações da agência Reuters, os investigadores organizaram uma lista confidencial de suspeitos.

Um relatório aponta tais violações como de responsabilidade do Wagner Group, que teria atirado em pessoas mantidas sob custódia em setembro de 2019. A misteriosa organização paramilitar tem presença em conflitos em diversos países, como Síria, Sudão, Moçambique e República Centro Africana. Além da própria Líbia, onde teria apoiado o general Khalifa Haftar.

“Existem, portanto, motivos razoáveis ​​para acreditar que o pessoal do Wagner pode ter cometido o crime de guerra de homicídio”, disse o primeiro relatório da missão de averiguação da ONU, liderada por Mohamed Auajjar.

Munições não deflagradas e estoque de material bélico recolhidos na guerra civil da Líbia (Foto: UN Development Programme/Flickr)

O documento também cita o caso do tablet perdido que expõe a participação da milícia na guerra civil libanesa, sugere a proximidade entre associados do grupo e o governo russo e dá fortes indícios de que os mercenários são responsáveis por inúmeros crimes de guerra.

No equipamento, foi identificado um mapa mostrando 35 locais onde minas terrestres foram plantadas perto de edifícios civis, localizados em áreas abandonadas pelas forças orientais. As minas, a maior parte de origem russa, mataram e mutilaram civis que deixavam ou voltavam para suas casas, disse o relatório.

O grupo de especialistas em direitos humanos embasou o relato em centenas de documentos, imagens de satélite, entrevistas com mais de 150 pessoas e investigações na Líbia, Tunísia e Itália.

“As investigações indicaram que várias partes nos conflitos violaram [o direito internacional humanitário] e potencialmente cometeram crimes de guerra”, informou o primeiro relatório da missão de averiguação da ONU, liderada por Mohamed Auajjar.

O parecer da ONU também descreve que tortura e outros abusos cometidos diariamente nas prisões líbias contra imigrantes detidos por autoridades estatais e milícias podem ser considerados crimes contra a humanidade. “É bastante claro que as políticas de retrocesso [da União Europeia] levaram a enormes violações dos direitos humanos de migrantes, levando à detenção na Líbia após o retorno”, disse o membro do conselho Chaloka Beyani.

A acusação contra o Wagner Group vem na esteira de um relatório da Missão Independente de Averiguação de Fatos na Líbia, um grupo independente estabelecido pela ONU, que publicou um relatório sobre a situação no país. O documento confirma que estão sendo cometidos crimes de guerra desde 2016, além de ações de violência nas prisões e contra migrantes, que podem ser consideradas crimes contra a humanidade.  

Conexões milicianas

Uma das conexões entre a Líbia e o Wagner Group é Saif al-Islam Gaddafi, filho do ex-ditador Muamar Gaddafi e tido como o preferido de Moscou para governar o país do Oriente Médio. Ele foi preso durante o levante popular de 2011 e mais tarde condenado à morte, mas foi libertado em 2017 pela milícia que o prendia. Hoje, há um mandado de prisão internacional contra ele justamente em função de crimes supostamente cometidos pelos mercenários.

Entre os crimes de guerra dos quais o grupo é acusado está justamente a colocação de minas terrestres ocultas em áreas civis. 

Por que isso importa?

A Líbia enfrenta conflitos há uma década, e a violência impactou na economia do país e nos direitos sociais e culturais. Nos últimos anos, a tensão é marcada por uma guerra entre forças que apoiam governos rivais baseados no leste e no oeste, apoiados por potências regionais, combatentes estrangeiros e mercenários. Rússia, Egito e Emirados Árabes Unidos dão suporte às forças orientais, enquanto a Turquia está do lado do governo no oeste.

O conflito teve uma trégua em 2020, depois que um avanço das forças orientais sobre a capital foi adiado e ambos os lados aceitaram um cessar-fogo e a formalização de um governo interino. Com a implementação recente do Governo e da União Nacional, o país entrou numa fase de diálogo e unificação das instituições estatais. Uma eleição está planejada para dezembro.

O ministro das Relações Exteriores da Líbia disse no domingo que alguns combatentes estrangeiros deixaram o país enquanto o governo de unidade busca obter ajuda internacional para retirar o resto.

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