França acata determinação de Burkina Faso e promete retirar tropas em um mês

Governo burquinense volta suas atenções a Moscou e encerra parceria estabelecida em 2018 com Paris para o setor de segurança

O governo da França afirmou na quarta-feira (25) que vai acatar a determinação de Burkina Faso para retirar suas tropas do país africano. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores francês, o processo será concluído no prazo estabelecido de um mês, informou a rede France 24.

“Na terça-feira, 24 de janeiro, recebemos formalmente o aviso, por parte do governo de Burkina Faso, do acordo de 2018 relativo ao estatuto das forças francesas presentes neste país”, disse o ministério. “Pelos termos do acordo, o aviso entra em vigor um mês após o recebimento da notificação por escrito. Cumpriremos os termos deste acordo atendendo a este pedido”.

A decisão de Burkina Faso de que as tropas francesas deveriam deixar o país africano foi revelada no último domingo (22) pela Agência de Informação de Burkina (AIB, na sigla em francês), órgão oficial do governo central.

Militares de França e Espanha membros na Operação Barkhane, junho de 2017 (Foto: ejercitoaire/Flickr)

Em um primeiro momento, o presidente Emmanuel Macron disse que a mensagem recebida era “confusa” e que, por isso, aguardaria novos desdobramentos. “Acho que devemos ter muito cuidado”, declarou ele na ocasião. Agora, Paris afirma que a ordem ficou clara e que atenderá à determinação.

Atualmente, a França mantém entre 200 e 400 membros de suas forças especiais em Burkina Faso, parte da Operação Barkhane de combate à insurgência islâmica no Sahel. Segundo o porta-voz do governo local Jean-Emmanuel Ouedraogo, a ruptura se limita ao setor da segurança. “Não significa o fim das relações diplomáticas entre Burkina Faso e a França”, disse ele.

A declaração do porta-voz, porém, parece incompatível com alguns dos mais recentes desdobramentos, vez que o governo burquinense chegou a pedir a Paris que chamasse de volta seu embaixador no início de janeiro. O governo francês também anunciou nesta quinta que o fará, um indício de que as relações diplomáticas estão comprometidas.

Moscou ganha força

Mesmo que o rompimento se limite à questão da segurança, a perspectiva é ruim para Burkina Faso, que convive desde 2015 com a violência de facções da Al-Qaeda e do Estado Islâmico (EI). A insurgência levou a um conflito com as forças de segurança e matou milhares de pessoas, com grupos armados lançando ataques ao exército e a civis e desafiando também a presença de tropas estrangeiras.

Sem a França para dar suporte às tropas locais, tende a aumentar a influência da Rússia na nação africana, com a possibilidade de que a organização paramilitar privada Wagner Group assuma o papel de maior parceiro no combate ao terrorismo. Movimentação idêntica ocorreu no vizinho Mali, de onde os militares franceses foram expulsos para dar lugar aos mercenários russos.

Embora Uagadugu insista em negar qualquer acordo com os russos, membros do Wagner Group já foram vistos no país. Inclusive, o governo de Gana chegou a dize que uma mina seria usada como pagamento aos mercenários em Burkina Faso. No Mali, fontes sustentam que os serviços da organização russa custem US$ 10,8 milhões por mês, dinheiro que viria da extração de minerais.

O direcionamento de Uagadugu para Moscou pode ser notado desde o golpe de Estado que colocou o capitão Ibrahim Traoré no poder. Ele derrubou o líder anterior, o tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba, justamente sob o argumento de que ele não vinha tendo sucesso na luta contra grupos extremistas islâmicos.

Damiba chegou a cogitar a possibilidade de contratar o Wagner Group para as operações de contraterrorismo. Porém, mudou de ideia e incomodou o alto escalão das forças armadas burquinenses, abrindo espaço para Traoré assumir.

Constantin Gouvy, pesquisador de Burkina Faso no Instituto Holandês de Relações Internacionais, confirmou que a escolha de parceiros vinha sendo um dos principais pontos de discórdia entre a junta militar que governava o país, o exército e a população.

“Damiba estava se inclinando para a França, mas podemos ver o MPSR (a junta militar que governa o país) explorando mais ativamente alternativas a partir de agora, com a Turquia ou a Rússia, por exemplo”, afirmou Gouvy.

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