Moscou admite que crianças ucranianas foram adotadas por famílias russas

Autoridade ligada a Putin diz que 700 mil menores chegaram à Rússia ou a territórios ocupadas, alguns deles desacompanhados

Desde o início da guerra na Ucrânia, a Rússia recebeu cerca de 700 mil crianças ucranianas, algumas acompanhadas de parentes, outras supostamente órfãs. Algumas foram entregues a famílias russas para adoção. A confirmação partiu de Maria Lvova-Belova, comissária russa para os direitos da criança, que é alvo de um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) justamente por ligação com a deportação ilegal de crianças. As informações são da emissora independente Current Time.

Lvova-Belova, que trabalha diretamente com o presidente Vladimir Putin, ele próprio alvo de um mandado de prisão pelas mesmas acusações, diz que 1,5 mil crianças desacompanhadas, provenientes de orfanatos ucranianos, chegaram à Rússia desde o início do conflito, em 24 de fevereiro de 2022.

Documento assinado por ela cita especificamente 380 crianças que vieram da região de Donbass e foram colocadas para adoção junto a famílias russas. No total, Moscou teria abrigado 4,8 milhões de ucranianos, sendo 700 mil menores de idade.

“No final do verão (outono de 2022), devido à situação na linha de frente, os pais das regiões de Kherson, Zaporizhzhya, Kharkiv e outros territórios enviaram voluntariamente seus filhos de férias, inclusive para proteção contra as hostilidades”, disse a comissária no relatório, citando menores desacompanhados.

Criança aguarda ônibus de evacuação na cidade ucraniana de Zhytomyr (Foto: reprodução/Facebook)

No início do mês, Grigory Karasin, chefe da câmara alta do parlamento de Moscou, já havia citado os 700 mil menores ucranianos recebidos por Moscou, informação agora oficializada por uma autoridade do Kremlin. Como no documento assinado por Lvova-Belova, ele argumentou que as crianças foram acolhidas para que se protegessem dos bombardeios.

Entretanto, as alegações de Moscou têm elementos incompatíveis com denúncias feitas por entidades humanitárias, governos ocidentais e por Kiev. Um ponto controverso é o das autorizações que teriam sido assinadas por familiares ou responsáveis pelas crianças ucranianas nos caso dos menores enviados aos campos de “férias”.

Existem indícios de que os documentos foram assinados sob coação, e que os tais acampamentos são na verdade capos de reeducação. Lá, o objetivo do governo russo é fornecer aos menores lições patrióticas e incutir neles uma mentalidade pró-Moscou.

Um estudo do Laboratório de Pesquisa Humanitária (HRL) da Universidade de Yale, divulgado em fevereiro, diz ainda que elementos específicos do acordo firmado são habitualmente violados, como o prazo de permanência e os procedimentos para o reencontro com os filhos. Mais: aqueles que se recusam a assinar o documento invariavelmente são ignorados e perdem os filhos mesmo assim.

Os números fornecidos pela Rússia também parecem subestimar a realidade. Kiev fala em 19.546 crianças deportadas sem a companhia de parentes ou responsáveis. E esse número refere-se somente aos casos relatados oficialmente ao governo da Ucrânia. Entidades humanitárias falam em “centenas de milhares” de crianças deportadas à força.

Envolvimento de Belarus

Recentemente, Dzmitry Shautsou, secretário-geral da Cruz Vermelha de Belarus, confirmou que o país dele também tem recebido crianças provenientes de regiões da Ucrânia ocupadas. Ele disse à emissora estatal Belarus 1 TV que os menores foram levados a território belarusso para “melhorias de saúde”.

Em junho, o secretário do Estado da União de Rússia e Belarus, Dmitry Mezentsev, já havia admitido que cerca de duas mil crianças foram retiradas de Donetsk e Luhansk, em Donbass, e levadas de “férias” para resorts de saúde na região de Minsk, capital belarussa.

A deportação em massa forçada de pessoas durante um conflito é classificada pelo Direito Internacional Humanitário como crime de guerra. A transferência forçada de crianças, particularmente, configura ato genocida. No caso da guerra da Ucrânia, tais denúncias surgiram ainda nos primeiros dias de combate e desde então vêm aumentando.

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