Tecnologia 5G ajuda China a exportar sua ideia de uma internet restrita e controlada pelo Estado

Infraestrutura chinesa distancia cada vez mais certas nações do Indo-Pacífico de conceitos como liberdade de expressão e privacidade

A forte presença de tecnologia chinesa em países do Indo-Pacífico, sobretudo nas redes 5G, permite à China exportar, junto com a infraestrutura digital, sua ideia de uma internet restrita e rigidamente controlada pelo Estado. Como resultado, certos países da região, destacadamente Camboja, Tailândia, Malásia e Nepal, distanciam-se cada vez mais de conceitos como liberdade de expressão e informação e direito à privacidade online. É o que mostra relatório divulgado na quarta-feira (17) pela ONG Artigo 19.

O documento, intitulado “A Rota da Seda Digital: a China e a ascensão da repressão digital no Indo-Pacífico”, é uma referência à Nova Rota da Seda, uma iniciativa estabelecida em 2013 pelo presidente Xi Jinping que investiu centenas de bilhões de dólares (há quem calcule o investimento em US$ 1 trilhão) em obras de infraestrutura em todo o mundo. Como a versão original, a digital visa difundir, junto com as grandes obras, a influência de Beijing sobre os países beneficiários.

Internet restrita e controlada pelo Estado: modelo chinês para exportação (Foto: John Schnobrich/Unplash)

No caso destacado pelo relatório, a presença chinesa nessas nações se faz sobretudo através da redes 5G, que se espalham cada vez mais pelo Indo-Pacífico através de empresas como Huawei e ZTE. O alerta de que tais companhias servem aos interesses do Partido Comunista Chinês (PCC) não é novo. Elas foram vetada em diversas nações ocidentais sob o argumento de que a Lei de Inteligência Nacional da China, de 2017, determina que tais empresas devem “apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”, o que poderia forçá-las a entregar dados ao governo.

O relatório, entretanto, tem uma preocupação centrada nas próprias nações destinatárias da tecnologia. Ele alega que, nesses países, a tecnologia chinesa oferece as ferramentas para que os governos locais atuem como o PCC na China, onde a internet é controlada pelo Estado.

“A infraestrutura e o apoio político da China, nas mãos de Estados autoritários, contribuiu para aumentar as restrições à liberdade de expressão e informação e ao direito à privacidade, bem como outros atos de repressão digital”, diz o documento. “Ao expandir seu modelo autoritário, a China pretende, em última análise, suplantar os princípios da liberdade na internet e os princípios baseados em direitos da governança digital global.”

O modelo de maior sucesso da experiência chinesa é o Camboja, onde o governo local vem implantando uma versão própria do Grande Firewall, sistema de censura que permite ao PCC controlar tudo o que é publicado na internet do país. Modelos semelhantes estão sendo estudados pelo Nepal, a quem Beijing forneceu tecnologia em troca de liberdade para agir na repressão aos tibetanos, e na Tailândia, onde uma ditadura digital vem sendo imposta desde o golpe de Estado de 2014.

Por ora, a Malásia se mantém distante dos outros três, pois ainda não começou a colocar em prática os conceitos antidemocráticos digitais. O governo local, entretanto, já manifestou simpatia pelo modelo chinês e caminha para adotar medidas compatíveis.

Na visão dos autores, parte do problema provém da falta de investimento global em conectividade. Isso permitiu a Beijing “explorar as necessidades reais de desenvolvimento dos países da região e oferecer as suas tecnologias como a solução prontamente disponível e acessível, alimentando muitas vezes a adoção de táticas autoritárias digitais.”

A solução passa por um processo eficiente de governança com “múltiplos intervenientes”, que incluam a sociedade civil e a iniciativa privada, não somente os Estados.

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