Visita de embarcação chinesa insere o Sri Lanka na crise entre Índia e China

Navio de "pesquisa" chinês é aguardado no porto de Hambantota neste mês, e Nova Délhi teme que a visita tenha objetivo militar

A esperada presença de uma embarcação chinesa no porto de Hambantota, prevista para ocorrer nas duas próximas semanas, colocou o Sri Lanka no meio da crise entre China e Índia. As informações são da agência Reuters.

O Yuan Wang 5, classificado por Beijing como um navio de “pesquisa”, está em rota para o porto, cuja construção custou US$ 1,5 bilhão e foi financiada com dinheiro chinês. Nova Délhi, porém, suspeita que as instalações possam ser usadas com fins militares.

Segundo analistas de segurança, o Yuan Wang é uma embarcação de rastreamento espacial, usada para monitorar lançamentos de satélites, foguetes e mísseis balísticos intercontinentais. Os EUA, por sua vez, dizem que ele serve ao Exército de Libertação Popular (ELP) da China.

Yuan Wang 6 no porto de Papeete, Polinésia Francesa, dezembro de 2011 (Foto: Wikimedia Commons)

Questionado, o governo do Sri Lanka disse que a embarcação é esperada “para reabastecer, e não para qualquer outro propósito”, nas palavras do porta-voz do gabinete presidencial Bandula Gunawardana. “O presidente disse ao gabinete que serão feitos esforços diplomáticos para trabalhar com os dois países para não criar problemas”, completou.

Inicialmente, o Ministério da Defesa do Sri Lanka negou a informação de que o navio fosse ancorar no país. Porém, alguns dias depois, o porta-voz da pasta, coronel Nalin Herath, mudou de posição e anunciou até a data da visita, entre 11 e 17 de agosto. E reforçou que o objetivo é o reabastecimento, “incluindo combustível”.

Herath afirmou que situações assim não são “nada incomuns” e citou outros exemplos. “Esses navios vêm periodicamente de vários países, como Índia, China, Japão, Austrália”, disse ele, segundo o site The Diplomat.

Por sua vez, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia, Arindam Bagchi, disse que o país está “ciente dos relatos de uma proposta de visita deste navio ao porto de Hambantota, em agosto”. E que o “governo monitora cuidadosamente qualquer desenvolvimento que tenha relação com a segurança e os interesses econômicos da Índia e toma todas as medidas necessárias para protegê-los”, disse.

A insatisfação indiana levou a uma resposta de Beijing, afirmando que as “partes relevantes” deveriam se abster de interferir nas “atividades marítimas legítimas” da China.

Disputa por influência

China e Índia travam uma disputa por influência no Sri Lanka, país que atravessa profunda crise econômica. Nova Délhi ganhou pontos recentemente ao enviar entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões em ajuda ao país, mas a presença de Beijing continua sendo muito forte.

Hambantota é crucial nessa disputa, vez que foi construído dentro da Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), iniciativa lançada pelo presidente Xi Jinping para financiar obras de infraestrutura no exterior.

Como o Sri Lanka não conseguiu pagar as parcelas devidas, Beijing ativou a cláusula contratual que repassou à China o controle do porto. Daí a preocupação indiana de que as instalações sejam usadas com finalidade militar, não apenas comercial.

Nesse cenário, o temor da Índia no que tange ao navio está atrelado à capacidade de rastreamento dele. Assim, o Yuan Wang 5 poderia usar a visita para coletar informações sobre as usinas nucleares indianas de Kalpakkam e Koodankulam.

Por que isso importa?

O estremecimento das relações entre Índia e China remete a uma disputa territorial de abril de 2020, quando soldados rivais se envolveram em combates em vários pontos da área montanhosa que divide os dois países. O problema começou com uma troca de acusações sobre desrespeito à Linha de Controle Real (LAC, na sigla em inglês), a fronteira de fato entre as nações.

Os vizinhos compartilham uma fronteira não delimitada oficialmente de 3,5 mil quilômetros através do Himalaia e mantêm um acordo de paz instável desde o fim da guerra sino-indiana, em novembro de 1962.

Em 15 de junho de 2020, a paz na fronteira foi quebrada após novos confrontos entre soldados indianos e chineses no vale de Galwan, na região de Ladakh, na Índia. Na ocasião, 20 soldados indianos e quatro chineses morreram em combates corporais entre as tropas das duas nações. O confronto envolveu basicamente paus e pedras, sem nenhum tiro ter sido disparado.

Desde então, milhares de soldados estão posicionados dos dois lados da fronteira, e obras com fins militares tornaram-se habituais na região. As nações reivindicam vastas áreas do território alheio no Himalaia, problema que vem desde a demarcação de áreas pelos governantes coloniais britânicos.

Beijing e Nova Délhi mantiveram 14 rodadas de negociações desde os confrontos de junho de 2020. As conversas levaram à retirada de tropas em vários pontos ao longo da ALC, mas não de todos. E não foi possível chegar a nenhum acordo sobre a fronteira. Para especialistas, qualquer deslize de um dos lados pode levar a uma guerra entre as nações.

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