Todos os olhos estão voltados para os próximos encontros entre Lula e Xi Jinping

Artigo destaca assuntos a serem debatidos entre os dois presidentes e cita o atual desequilíbrio na relação em favor de Beijing

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site E-International Relations

Por Rafael R. Ioris

Em agosto de 2024, Brasil e China celebraram o 50º aniversário das relações diplomáticas. Estas são, indiscutivelmente, as duas economias mais importantes dos lados ocidental e oriental do Sul Global, respectivamente. E, embora as relações nem sempre tenham sido incrivelmente significativas, nas últimas duas décadas ambos os países encontraram maneiras de aprofundar suas interações, tanto entre atores privados quanto públicos. De fato, desde seu retorno ao poder, no início de 2023, o presidente Lula do Brasil tem buscado fortalecer ainda mais os laços com a China. Ele fez uma visita ao gigante asiático, junto com uma grande delegação de políticos e executivos empresariais. Os laços bilaterais também passaram por cultivo em reuniões adicionais, incluindo a importante Conferência do BRICS na África do Sul no ano passado. Agora que o Brasil sediará a décima nona reunião do G20 no Rio no mês que vem, os presidentes Lula e Xi terão a oportunidade de discutir os próximos passos no que muitos veem como uma das relações bilaterais mais promissoras no complexo cenário global de hoje.

Após uma dramática crise política que tomou conta do país em meados da última década, o ex-metalúrgico que virou presidente, Lula, conseguiu obter um terceiro mandato presidencial. O Brasil continua profundamente dividido política e ideologicamente, mas Lula vem tentando reviver uma abordagem diplomática que lhe serviu bem durante seus dois primeiros mandatos: uma visão universalista que busca sustentar boas relações com parceiros tradicionais, como os EUA, enquanto busca maneiras de fortalecer conexões e projetos com novos mercados, nações e organizações. Nesse contexto, e com base na visão e ambições diplomáticas de Lula, o aprofundamento dos laços com a China se torna central, pois oferece a possibilidade de consolidar relações econômicas que ajudaram a sustentar a economia brasileira nas últimas duas décadas, ao mesmo tempo que fortalece projetos multilaterais que visam remodelar a ordem liberal multilateral, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês).

Os presidentes da China, Xi Jinping (esquerda), e do Brasil, Lula, em abril de 2023 (Foto: Ricardo Stuckert/PR/WikiCommons)

A próxima reunião do G20 realmente oferecerá uma oportunidade para expandir as relações sino-brasileiras. Além de se encontrarem no Rio, Lula e Xi manterão conversas bilaterais em Brasília, e eles parecem ansiosos para anunciar novos projetos em comum. Embora detalhes sobre estes não estejam disponíveis, deve-se lembrar que, quando assumiu a liderança do BRICS há cerca de um ano, Lula declarou sua intenção de trazer à tona da organização os objetivos de reduzir a fome global, acelerar a transição energética para um modelo de desenvolvimento mais sustentável e reformar o modelo atual das instituições multilaterais, como o FMI e o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), para que as nações em desenvolvimento pudessem ser melhor representadas. Em todas as três áreas, os líderes chineses poderiam fornecer importante apoio político e habilidades qualificadas. Da mesma forma, as autoridades chinesas sinalizaram que as prioridades de Lula para sua administração do G20 estão alinhadas com a visão do presidente Xi para a construção de seu conceito diplomático de “Comunidade para um Futuro Compartilhado”.

Além da potencial colaboração dentro do quadro multilateral do G20, o Brasil e a China têm muito mais em que poderiam fortalecer laços e onde novos projetos potencialmente surgirão. Em 2023, o comércio bilateral atingiu um recorde de US$ 157 bilhões, superando a soma combinada das vendas do Brasil (US$ 104 bilhões) para os Estados Unidos e a União Europeia (UE). O Brasil é o quarto maior destino de investimentos chineses no exterior, representando 4,8% do total global, de acordo com o Conselho Empresarial China-Brasil (CBBC). Esses investimentos têm se tornado cada vez mais centrais para a meta de modernização da infraestrutura que Lula tem buscado reviver com base em seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e no recentemente anunciado programa Nova Indústria Brasil.

Há de fato grande interesse no Brasil sobre como os investimentos chineses poderiam ajudar a reindustrializar a ainda mais poderosa, embora cada vez mais encolhida, economia industrial da América Latina. Apesar de o comércio entre os dois países ter crescido 35 vezes nos últimos 23 anos, há um desequilíbrio entre os tipos de itens exportados de cada lado — principalmente primários do Brasil para a China e principalmente industrializados da China para o Brasil. Lula declarou que gostaria de mudar isso, e as autoridades chinesas sinalizaram estar abertas para discutir a questão. Autoridades brasileiras de alto escalão estão indo para a China para tentar elaborar detalhes sobre os planos a serem anunciados durante a reunião bilateral, embora ainda não esteja claro se esses projetos necessariamente assumiriam a estruturação da Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative).

Embora o Brasil ainda não tenha aceitado participar da iniciativa, Lula declarou recentemente que o país deveria analisar mais de perto a proposta, levando a especulações sobre um grande anúncio sobre o assunto durante a visita do presidente Xi. Não há, no entanto, nenhuma indicação clara de que Lula já tenha se decidido. Alguns no Brasil, particularmente no Ministério das Relações Exteriores, estão relutantes sobre os benefícios que a adesão à BRI traria — vez que a China já está investindo significativamente em projetos de infraestrutura no Brasil, em comparação com o custo de o país ser visto pelos EUA como “tendo escolhido o lado chinês”, especialmente se Trump retornar à Casa Branca no ano que vem. Em defesa da ideia de adesão, outras vozes, particularmente entre o círculo interno de Lula, incluindo o influente ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, apontam que a BRI vai além de investimentos puros, pois inclui acesso a uma plataforma inteira de cooperação internacional entre países ao redor do mundo. A última posição parece estar ganhando terreno no Brasil, mas Lula aparentemente segue escondendo suas apostas, esperando que a China ofereça algo mais junto com o convite, como encontrar maneiras de cooperar na expansão de seu mercado para produtos brasileiros de maior valor agregado, bem como apoiar os novos planos industriais do Brasil em casa e projetos regionais de infraestrutura conectando nações da América do Sul. As autoridades chinesas parecem abertas a levar em consideração as demandas do Brasil, pois garantir o endosso do país daria um impulso muito necessário à BRI, que enfrentou resistência da Europa e dos Estados Unidos devido a preocupações geopolíticas.

Além do comércio, a cooperação bilateral se estende à colaboração tecnológica no campo de satélites (projeto Earth-Resources Satellite), bem como inteligência artificial, semicondutores, telecomunicações (5G) e energia renovável. O presidente Xi declarou recentemente que vê o futuro das relações China-Brasil como se movendo rapidamente para novos reinos tecnologicamente mais avançados e, correspondendo às esperanças do Brasil, que vê a BRI como um instrumento importante nos esforços de reindustrialização em andamento do Brasil. Da mesma forma, ele corroborou a esperança de Lula de expandir a dimensão “povo a povo” das interações bilaterais. Isso sinaliza que um maior intercâmbio entre os povos brasileiro e chinês está sendo encorajado por ambos os governos.

Além do âmbito do G20 e bilateralmente, a colaboração sino-brasileira também ocorreu no contexto do BRICS, particularmente no que diz respeito à coordenação de novos esforços para reformar as estruturas financeiras e monetárias globais existentes. De fato, embora na época da Conferência do BRICS na África do Sul no ano passado houvesse um burburinho generalizado na mídia sobre as divisões da China e do Brasil relativas à proposta de ampliar o número de países no grupo, nas principais questões que a organização enfrentou (como a defesa da reforma de organizações políticas e financeiras multilaterais em direção a uma maior presença de membros do Sul Global) houve mais acordo do que disputas entre as duas nações.

As relações sino-brasileiras parecem prontas para se expandir para outros campos. A demanda por diversificação é especialmente importante para o Brasil, que quer negociar produtos de maior valor agregado. No entanto, isso também está lentamente se tornando um elemento central da diplomacia da China em relação ao Brasil. Nunca se deve esquecer, porém, que isso não é, nem é provável que se torne, uma interação equilibrada. A China alcançou um status de potência global, enquanto o Brasil ainda é uma economia emergente promissora e, na melhor das hipóteses, uma potência regional.

Há um interesse crescente na cooperação de consolidação de ambos os lados, mas o Lula quer garantir que novos projetos bilaterais envolvam a transferência de tecnologia e não levem a novos impactos ambientais e sociais negativos. A meta de reindustrialização do Brasil, particularmente se desdobrando em projetos de energia sustentável, pode provar ser um dos caminhos mais frutíferos, viáveis ​​e mutuamente benéficos. A cooperação no campo da saúde global também parece um local promissor para trocas bilaterais. A China desempenhou um papel importante no enfrentamento da crise da Covid-19 no Brasil, e ambos os países sinalizaram que a colaboração nessa área também deve ser buscada.

Cinquenta anos de relações sino-brasileiras demonstram não apenas uma história de sucesso econômico, mas também uma convergência geopolítica que resistiu aos desafios ao longo do caminho e que agora está ganhando terreno. Uma parceria mais dinâmica e multidimensional entre os países parece provável e desejável, mas é imperativo que tanto a inclusão doméstica quanto a global justa orientem tais esforços. Se os líderes chineses e brasileiros encontrarem maneiras de trabalhar juntos por um futuro compartilhado, muito poderá sair das próximas reuniões entre seus presidentes. Todos os olhos estarão voltados para o Rio e Brasília no mês que vem, pois decisões que impactam o futuro desses dois grandes países provavelmente surgirão.

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