Rejeitada pela Europa, Nova Rota da Seda cada vez mais se limita ao Sul Global

Após uma década desde sua criação, iniciativa de Xi Jinping encontra obstáculos diplomáticos, um deles Vladimir Putin

Há dez anos, o presidente chinês Xi Jinping lançou uma estratégia de infraestrutura voltada a espalhar a influência da China por todo o mundo, estabelecendo para isso uma grande rede de transporte e uma teia de acordos comerciais que conectariam Ásia, África e Europa. A Nova Rota da Seda (em inglês Belt and Road Initiative, ou BRI) movimentou bilhões de dólares (há quem fale em trilhão) em investimento e atingiu todos os continentes, mas hoje enfrenta dificuldades para se sustentar no Europa. Assim, cada vez mais tem se restringido ao Sul Global, como ficou claro no recente fórum do projeto.

Na edição deste ano do Fórum para a Cooperação Internacional da Nova Rota da Seda, que em 2019 recebeu sete países da União Europeia (UE) – Áustria, Chipre, República Tcheca, Grécia, Itália, Portugal e Hungria –, esteve presente novamente no evento realizado nesta semana na capital chinesa apenas o presidente húngaro Viktor Orban. Além disso, a Itália, único membro do G7 inserido na BRI, informou à China sua intenção de abandonar o acordo de investimento.

Moritz Rudolf, um especialista em assuntos chineses da Faculdade de Direito de Yale que falou ao site de negócios BQ Prime, disse que a BRI está de fato se transformando em uma iniciativa regionalizada em vez de verdadeiramente global. Destacou como principais parceiros chineses os países do Sul Global, definição geopolítica geralmente que se refere a nações em desenvolvimento localizadas na África, na América do Sul, na Ásia e em partes da Oceania.

Xi Jinping, presidente da China, na celebração do centenário do Partido Comunista Chinês (Foto: divulgação/cpc.people.com.cn
Fórum teve Putin e talibãs

A UE mantém Beijing como um grande parceiro comercial, o maior em importações de bens e o terceiro maior em exportações. Entretanto, a presença no fórum de Vladimir Putin, um “parceiro sem limites” do presidente chinês, ajuda a explicar o desinteresse do bloco. Particularmente pelo fato de que o chefe do Kremlin enfrenta acusações de crimes de guerra na Ucrânia, alvo inclusive de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI).

Um diplomata da UE, que falou sob condição de anonimato com a Bloomberg News, apontou que a presença de Putin no evento é a razão principal pela qual as instituições europeias não participarem.

Chong Ja Ian, professor associado de ciência política na Universidade Nacional de Singapura, resumiu a situação ao dizer que a presença de Putin “é um desafio para a Europa e a América do Norte”.

No caso europeu, certamente pesa também o fardo financeiro que os acordos com a China inseridos na BRI se tornaram para alguns países, espantando potenciais interessados. A iniciativa usa bancos e empresas chinesas para financiar e construir rodovias, usinas de energia, portos, ferrovias, redes 5G e outros projetos em todo o mundo.

No início, os governos receberam muito bem o dinheiro, especialmente pelo fato de isso ter ocorrido logo após uma recessão global histórica. Hoje, com muitas das nações inseridas na BRI em situação financeira dramática, manter em dia o pagamento das dívidas é missão quase impossível.

A inadimplência sempre foi parte da estratégia da China, que a usa como justificativa legal para assumir a gestão de certos projetos que financiou. Assim, estende os tentáculos do Partido Comunista Chinês (PCC) ao assumir o controle de infraestruturas cruciais. Beijing investe cada vez menos em tal estratégia, pois a inadimplência virou uma bola de neve que os credores temem não poder suportar.

Falta de quórum 

Não foi apenas a UE que optou por não participar do evento em Beijing. O fórum contou com a presença de apenas 22 chefes de Estado ou de governo, em comparação com 36 em 2019 e 29 em 2017, de acordo com uma análise da Bloomberg News.

Notou-se, por exemplo, a ausência da Suíça, que havia participado em 2019, do primeiro-ministro de Singapura, que neste ano preferiu enviar seu chefe interino de transportes em seu lugar, e do Japão, que não enviou nenhum alto funcionário do atual governo, sendo a única presença a de Yukio Hatoyama, um ex-premiê que deixou o cargo em 2010.

Quem esteve por lá foi o Talebansinalizando fortalecimento dos laços da organização radical que controla o Afeganistão com Beijing, mesmo que não tenha sido formalmente reconhecida por nenhum governo desde a tomada do poder local em agosto de 2021

A administração talibã agora busca formalmente aderir à BRI e enviará uma equipe técnica a Beijing para discussões, segundo a rede Voice of America (VOA). O ministro interino do Comércio do Afeganistão declarou na quinta-feira (19) que solicitou à China a participação no Corredor Econômico China-Paquistão, uma parte significativa da iniciativa que se estende até o vizinho Paquistão. Atualmente, estão em andamento discussões técnicas sobre esse assunto.

O território afegão, apesar de seus problemas políticos e da crise humanitária que dilacerou o país, é lar de valiosos minerais de terras raras e rico em cobre, ouro e lítio, reservas estimadas em até US$ 3 bilhões em 2010 e que potencialmente representam uma oportunidade e tanto de investimento para os chineses.

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