Nova Rota da Seda tem pouco a oferecer ao Brasil e esconde armadilhas, dizem especialistas

Governo brasileiro cogita aderir à inciativa do presidente Xi Jinping no momento em que muitos antigos parceiros desistem da parceria

O governo brasileiro estuda atualmente a possibilidade de aderir à Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), inciativa da China para financiar projetos de infraestrutura em todo o mundo. Existe, inclusive, a possibilidade de que o anúncio seja feito em novembro, quando o presidente chinês Xi Jinping estará no Brasil para a reunião do G20. Para entender as perspectivas que acompanham a adesão, particularmente no caso brasileiro, A Referência conversou com dois especialistas no assunto, que alertaram para o desequilíbrio comum nas relações entre Beijing e seus parceiros e sentenciaram: a BRI carrega um risco político elevado e não é o melhor caminho para se fazer bons negócios com o gigante asiático.

As negociações entre Brasil e China avançaram nos últimos meses, e o jornal South China Morning Post disse em setembro que um acordo para adesão do país à BRI está próximo. Fontes ligadas à embaixada chinesa no país afirmaram que a expectativa é a de formalizar a filiação quando Xi estiver no Rio de Janeiro entre 18 e 19 de novembro.

“A BRI é uma proposta atraente em teoria. A China fornece dinheiro sem amarras e pode construir infraestrutura rapidamente”, diz Elaine Dezenski, diretora sênior do Centro de Poder Econômico e Financeiro do think tank Fundação para a Defesa das Democracias. Com mais de duas décadas de liderança em organizações públicas, privadas e internacionais, ela é especialista em risco geopolítico, segurança da cadeia de suprimentos, anticorrupção e segurança nacional.

Presidentes da China, Xi Jinping (esquerda), e do Brasil, Lula, durante encontro em Beijing, em abril de 2023 (Foto: Ricardo Stuckert/PR/Agência Brasil)

Dezenski alerta que as facilidades, entretanto, escondem as armadilhas. A rapidez com que os projetos são tocados impedem o país anfitrião de “avaliar se a infraestrutura é necessária, economicamente viável, ambientalmente adequada ou bem construída”. E completa: “Mesmo assumindo que a infraestrutura que a China constrói é necessária e bem construída — grandes suposições, como o Equador pode lhe dizer —, os projetos da BRI podem causar muitos problemas.”

No Equador, a Refinaria Estatal de Esmeraldas (REE) enfrentou uma série de desafios e está em operação desde 2019, mas ainda abaixo de sua capacidade total. A construção ficou a cargo de empresas chinesas, principalmente a China National Petroleum Corporation (CNPC), e o projeto foi criticado pelo alto custo do empréstimo, os impactos ambientais e sociais e a falta de transparência nos acordos entre os países.

Questões financeiras e comerciais

No caso brasileiro, o aspecto financeiro ganha atenção. “O dinheiro que a China fornece não é de graça. Na verdade, é frequentemente fornecido a taxas comerciais muito altas”, afirma Dezenski. “Se o Brasil não tem dinheiro para construir a infraestrutura por conta própria, então provavelmente não tem dinheiro para pagar empréstimos caros”.

O resultado é um acordo mais atraente para os chineses que para seus parceiros, como ficou claro na recente decisão da Itália de se retirar da BRI. A medida partiu da primeira-ministra Giorgia Meloni, líder do partido Irmãos da Itália, que sempre classificou a participação italiana como um “erro”.

A Itália aderiu à Nova Rota da Seda em 2019, tornando-se a maior economia e o único país do G7 a assinar a iniciativa, envolvimento que emprestou prestígio diplomático ao acordo. No entanto, desde então, as importações italianas provenientes da China quase dobraram, enquanto as exportações do país europeu para o asiático tiveram um aumento pouco expressivo.

Essa avaliação é reforçada por Giorgio Prodi, professor associado em economia aplicada na Universidade de Ferrara e diretor de relações Ásia e Pacífico na Escola de Negócios de Bolonha, ambas na Itália. “A experiência europeia mostra que não é necessário aderir à BRI para ter relações econômicas com a China”, diz ele.

O cenário italiano, na visão do especialista, pode se repetir no Brasil, sob o risco de a indústria nacional ser impactada negativamente. “Claro que também depende do conteúdo do acordo. Por exemplo, eu seria muito cuidadoso ao avaliar o impacto que um acordo muito ‘aberto’ poderia ter no setor manufatureiro brasileiro”, analisa.

O especialista explica que Roma, além de não colher os frutos da parceira, ainda viu nações que não ingressaram na BRI firmarem acordos melhores com Beijing. “Se examinarmos as relações econômicas entre a Itália e a China, há pouca evidência de diferenças significativas em comparação com outros países europeus que não assinaram a BRI”, destaca.

Ele, então, cita um exemplo prático. “No dia seguinte à assinatura [com a Itália], o presidente Xi Jinping voou para Paris a convite do presidente francês para se encontrar com o chanceler alemão e, naquela ocasião, assinou uma série de acordos econômicos muito mais substanciais do que aqueles feitos no dia anterior em Roma”, lembra Prodi.

Beijing, ao contrário, não tem do que reclamar. “Para a China, os benefícios foram claros: a participação da Itália marcou o primeiro país do G7 a aderir à iniciativa, oferecendo à China uma vitória diplomática significativa”, avalia Prodi.

Dezenski ressalta outras questões bem conhecidas dos brasileiros: fraude e corrupção. “Para um país como o Brasil, com uma longa história de vulnerabilidade à corrupção, este é um problema real”, diz ela. “A natureza ‘sem amarras’ dos empréstimos significa que eles geralmente são fornecidos sob termos opacos, a portas fechadas e sem supervisão suficiente.”

O aspecto político

Os dois especialistas apresentam, então, um ponto crucial do acordo: o político. “Em essência, aderir à BRI é cada vez mais um fato político que econômico”, diz Prodi. A Itália mais uma vez serve como referência, e ele avalia que o ingresso na BRI levou o país a “tensionar” as relações com aliados tradicionais, citando Alemanha, França e Estados Unidos.

Faz, então, um balanço do possível entrada do Brasil na iniciativa. “Se vale ou não a pena aderir, depende, portanto, de onde o Brasil quer se posicionar na política global a médio e longo prazo”, afirma Prodi. “É claro que nas condições atuais, com as tensões entre os Estados Unidos e a China constantemente aumentando, o sinal de uma possível adesão é o de um país que deseja manter mais opções em aberto.”

Dezenski faz análise mais dura. “Há risco político para o Brasil ao assinar a BRI, incluindo o potencial de aumentar a influência do Partido Comunista Chinês (PCC) na política externa do Brasil”, projeta. “A China busca fortalecer e alinhar a BRI com os BRICS, e adicionar o Brasil à BRI é certamente uma maneira de conseguir isso, pelo menos politicamente. O Brasil deve prosseguir com cautela”, sentencia.

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