Agravada pelo conflito, fome matou quase 500 crianças no Sudão, segundo relatório

Entre as vítimas estão bebês de um orfanato local, conforme os serviços de atendimento ficam sem comida para alimentar a população

O conflito em curso no Sudão gerou uma crise humanitária severa, com ao menos 498 casos de crianças que morreram de fome desde a explosão da violência no país africano. Segundo relatório a ONG Save the Children, entre as vítimas estão bebês de um orfanato local, conforme os serviços de atendimento ficam sem comida para alimentar a população necessitada.

A própria Save the Children, uma das entidades que fornecem ajuda à população sudanesa, diz que foi obrigada a fechar 57 de suas unidades de atendimento nutricional devido à violência. Isso impede que sejam atendidas 31 mil crianças com desnutrição ou doenças relacionadas em todo o país.

A ONG diz que mantém em operação outras 108 unidades, mas os estoques de alimentos estão muito baixos, forçando os funcionários a utilizarem os itens dos estoques de segurança, reservados somente para situações extremas.

Criança sudanesa com a mãe, ambas deslocadas devido ao conflito (Foto: Mohamed Zakaria/Unicef)

O Estado do Nilo Branco é o que mais registrou mortes de crianças, com 316 casos, além de 2,4 mil menores com subnutrição aguda grave, a forma mais mortal do problema. No Estado de Gedaref foram 132 mortes, além de 50 em Cartum, onde mais de 20 bebês estão entre as vítimas.

A falta de dinheiro para atender os sudaneses já era um problema antes do conflito, e agora a situação se agravou. Uma fábrica local, a única do país que produzia o Plumpy Nut, um alimento terapêutico usado em casos de desnutrição aguda grave, foi queimada. E armazéns de alimentos usados pela Save the Children, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e outras entidades foram saqueados.

“Não imaginávamos ver tantas crianças morrendo de fome, mas esta é agora a realidade no Sudão”, disse Arif Noor, diretor nacional da Save the Children no Sudão. “Crianças gravemente doentes estão chegando nos braços de mães e pais desesperados em centros de nutrição em todo o país, e nossas equipes têm poucas opções de como tratá-los. Estamos vendo crianças morrendo de uma fome totalmente evitável.”

Por que isso importa?

O Sudão vive um violento conflito armado que coloca frente a frente dois generais que comandam o país africano desde o golpe de Estado de 2021: Abdel Fattah al-Burhan, chefe das Forças Armadas Sudanesas (SAF, na sigla em inglês), e Mohamed Hamdan “Hemedti” Daglo, à frente das Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), corpo paramilitar da violenta milícia Janjawid.

As tensões decorrem de divergências sobre como cem mil combatentes da milícia paramilitar devem ser integrados ao exército e quem deve supervisionar esse processo. 

No dia 16 de abril, um domingo, explosões puderam ser ouvidas no centro da capital Cartum, mais precisamente no entorno do quartel-general militar do Sudão e do palácio presidencial, locais estratégicos reivindicados tanto por militares quanto pelas RSF.

O aeroporto internacional da capital, tomado pela milícia, foi bombardeado com civis dentro. Aeronaves foram destruídas, e caças da força aérea sudanesa e tanques foram usados contra os paramilitares.

Desde que o conflito se espalhou, primeiro pela capital, depois por outras regiões do país, as nações estrangeiras que tinham cidadãos e representantes diplomáticos no Sudão realizaram um processo de evacuação, viabilizado por um frágil cessar-fogo que não foi totalmente respeitado pela partes.

Os números de civis mortos e vítimas de abusos diversos não param de crescer desde então. A situação levou o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, a dizer em julho que o país africano está “à beira de uma guerra civil“.

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