Assassinatos de civis aumentaram sob o regime militar em Burkina Faso, aponta investigação

De 2022 para 2023, mortes de cidadãos pelas forças de segurança aumentaram 70%, gerando protestos dos EUA, da União Europeia e da ONU

Os assassinatos de civis pelas forças de segurança de Burkina Faso cresceram 70% entre 2022 e 2023, de 430 para 735. O aumento coincide com o golpe de Estado que colocou os militares no comando do país em janeiro de 2022, a primeira de duas tomadas de poder ocorridas naquele ano.

Os números foram coletados pela ONG norte-americana Armed Conflict Location and Event Data Project (ACLED), enquanto a agência Associated Press (AP) realizou uma investigação própria para apurar um episódio específico de violência contra a população em novembro do ano passado, supostamente durante uma operação de contraterrorismo realizadas pelas Forças Armadas do país africano.

A violência extremista se instalou em Burkina Faso em 2015, e hoje já são nove anos de confrontos entre os insurgentes e as as forças de segurança. Mais de 20 mil pessoas morreram desde então, segundo a ACLED, e os números de vítimas civis são difíceis de apurar devido às barreiras impostas pelos militares no acesso à informação.

Capitão Ibrahim Traoré, chefe da junta militar que governa Burkina Faso (Foto: twitter.com/capit_ibrahim)

Os ataques extremistas costumavam se concentrar no norte e no leste de Burkina Faso, mas se alastraram por todo o país, com quase metade do território nacional fora do controle do governo. Assim, a nação superou Mali e Níger como epicentro da violência jihadista na região do Sahel.

Após um período de relativa calmaria, a violência aumentou após a tomada do poder pela junta. Oficiais descontentes derrubaram o presidente eleito Roch Marc Christian Kabore, que enfrentava protestos pela forma como combatia a sangrenta insurgência jihadista. Em setembro daquele ano, um segundo golpe levou a nova mudança no poder, com o capitão Ibrahim Traoré assumindo o governo central.

A luta contra o extremismo é a principal bandeira do governo militar, e os civis têm sido atingidos tanto quando os insurgentes. Um importante elemento a ser considerado nesse cenário é a expulsão das tropas da França, foçada a evacuar seus cerca de 400 soldados. No lugar chegaram sobretudo mercenários russos do Wagner Group, que agora tem futuro indefinido devido à morte de seu líder, Evgeny Prigozhin.

Massacre de novembro

Um episódio em particular ilustra o impacto que a suposta luta do governo militar contra o terror tem sobre os civis. Em 5 de novembro, as Forças Armadas realizaram uma operação em Zaongo, uma aldeia no centro do país, e os relatos sobre o número de mortos variam. Há quem fale em 70 civis assassinados, mas a conta pode subir para até 200 segundo alguma fontes.

A AP teve acesso a fotos tiradas por três sobreviventes, que mostram inclusive mulheres e bebês entre os mortos. Segundo as testemunhas, os agressores vestiam uniformes militares com a bandeira de Burkina Faso, o que descarta a hipótese de o massacre ter sido conduzido por jihadistas.

A ONU (Organização das Nações Unidas), a União Europeia (UE) e o governo dos EUA cobraram o governo para que apurasse o massacre, e a Promotoria de Justiça disse ter iniciado uma apuração. Até hoje, no entanto, nenhuma informação foi repassada aos sobreviventes ou aos familiares das vítimas.

Não se sabe ao certo o que levou o governo a ordenar o ataque, mas o argumento frequentemente usado pelos militares para agir contra civis é o de que eles colaboram com os extremistas. Tais operações se tornaram frequentes após a expulsão das tropas francesas e são hoje conduzidas em parceria com os russos, que atuam também para assegurar a manutenção da junta militar no poder.

Dissidentes recrutados para lutar

No início de novembro, pouco após o massacre, a ONG Human Rights Watch (HRW) também acusou a junta militar de recrutar dissidentes, entre eles jornalistas, ativistas e membros de partidos de oposição, para servirem às Forças Armadas em operações de segurança.

A “mobilização geral” seria parte de uma campanha do governo central para retomar territórios ocupados por jihadistas, com muitos cidadãos convocados para lutar mesmo contra sua própria vontade. Segundo a ONG, o objetivo central ao convocar os críticos é silenciá-los, o que configura uma violação dos direitos humanos.

“A junta de Burkina Faso está usando a legislação de emergência para silenciar a dissidência pacífica e punir os seus críticos”, disse Ilaria Allegrozzi, investigadora sênior da HRW para o Sahel. “O governo não deve responder aos grupos armados islâmicos abusivos com mais violações dos direitos humanos, mas deve, em vez disso, reforçar os esforços para proteger os civis e defender os direitos básicos à liberdade de expressão e de expressão.”

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