Conforme prossegue a retirada de tropas de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) do norte do Mali, um ataque contra um comboio militar deixou 22 boinas-azuis feridos. A informação foi divulgada na segunda-feira (6) pelo porta-voz das Nações Unidas, Stephane Dujarric, segundo a agência Al Jazeera. Um grupo local associado à Al-Qaeda assumiu a autoria.
A retirada da Missão das Nações Unidas no Mali (Minusma), prevista para ser concluída até 31 de dezembro deste ano, envolve a repatriação de 12.947 boinas-azuis, a realocação de uma carga de 5,5 mil contêineres de equipamentos e quase quatro mil veículos. A transição também envolve o fechamento e entrega de 12 campos e uma base operacional para as autoridades civis malianas.
O ataque desta semana foi o sexto desde que teve início a evacuação dos militares da base localizada em Kidal, no norte do país, em 31 de outubro. Trata-se da última instalação da região ocupada pelas Nações Unidas. Nesse período, 39 combatentes a serviço da entidade ficaram feridos em ações hostis.
As tropas acabam expostas porque o trajeto até Gao, a capital da região de mesmo nome, é longa, com cerca de 350 quilômetros. A principal ameaça são os dispositivos explosivos improvisados (IEDs, na sigla em inglês), como os que atingiram o comboio na ação mais recente.
“No sábado (4), o comboio encontrou dois outros dispositivos explosivos improvisados perto da cidade de Anefis”, disse Dujarric, acrescentando não saber se os dispositivos já estavam posicionados no terreno há muito tempo ou se foram instalados somente para atingir os boinas-azuis da ONU.
Segurança degradada
Antes de perder a Minusma, o país africano já havia aberto mão do apoio francês, voltando suas atenções para uma parceria com o Wagner Group, da Rússia. Embora cerca de mil mercenários tenham sido enviados ao Mali, o contingente não tem sido suficiente para enfrentar os extremistas. Sem falar na instabilidade que atinge a organização desde a morte de seu líder, Evgeny Prigozhin.
O novo cenário fortaleceu a Al-Qaeda, que marca presença sobretudo na região central do país, bem como o Estado Islâmico (EI), cujo principal reduto fica no leste. Aumentaram ainda os combates entre rebeldes tuaregues e as forças armadas malianas no norte do país.
Foi o Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos (GSIM, na sigla em francês), também conhecido pelo nome em árabe Jamaat Nasr al-Islam wal Muslimin (JNIM), que assumiu a autoria do ataque desta semana, de acordo com a rede Deutsche Welle (DW). Trata-se de um grupo ligado à Al-Qaeda que atua em todo o Sahel e surgiu em 2017 como uma coalizão de forças islâmicas locais.
Por que isso importa?
O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.
A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.
Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.
Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.
Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao EI, o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.
Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.