Chefe da diplomacia russa chega ao Mali e sinaliza aprofundamento de laços

Sergei Lavrov visita a África pela terceira vez em seis meses, conforme Moscou tenta fortalecer sua presença no continente

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, chegou ao Mali na manhã desta terça-feira (7), pelo horário local, e lá cumprirá agenda com os líderes da junta militar que tomou o poder em agosto de 2020. Entre as pautas está o suporte de Moscou ao país na luta contra Al-Qaeda e Estado Islâmico (EI), que dominam parte do território. As informações são do jornal independente The Moscow Times.

Lavrov chegou à nação africana após visita ao Iraque, onde esteve na segunda-feira (6). O representante do Kremlin foi recebido em sua chegada pelo homólogo Abdoulaye Diop. Entre os compromissos do russo em Bamaco está um encontro com a principal liderança militar, o coronel Assimi Goita. Uma coletiva de imprensa será dada ao fim do encontro.

Sergei Lavrov (esq.) e Abdoulaye Diop em Bamako, Mali (Foto: Russian Foreign Ministry/Facebook)

É a terceira visita do chefe do líder da diplomacia russa à África em seis meses. A missão é parte de uma campanha do governo de Vladimir Putin para ampliar a influência de Moscou no continente africano, seja por meio de negócios de armas, investimento econômico ou apoio militar dos mercenários do Wagner Group. Isso ocorre principalmente devido às sanções ocidentais, que isolaram Moscou após a invasão à Ucrânia em fevereiro de 2022.

A retirada das forças francesas do Mali apresentou uma oportunidade significativa para Moscou aproveitar a região, mostrando-se à junta militar liderada por Goita uma alternativa viável para acordos de segurança e cooperação econômica entre os dois países. 

Sem a França para dar suporte às tropas locais, o Wagner Group tende a assumir papel de maior parceiro do governo local no combate ao terrorismo. No começo deste mês, delatores de direitos humanos independentes, designados pela ONU (Organização das Nações Unidas), pediram a abertura de uma investigação para apurar possíveis crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos no Mali pelo próprio governo maliano e pelos mercenários russos.

O Mali já recebeu aviões e helicópteros de ataque de Moscou, além de um contingente de centenas de soldados descritos como “instrutores que ajudam a reforçar a defesa e soberania” local. No entanto, autoridades ocidentais e grupos de direitos humanos dizem que os combatentes são, na verdade, paramilitares do Wagner.

Atualmente, o Wagner Group marca presença em ao menos seis países africanos. Para isso, conta com o suporte da propaganda do Kremlin, que há anos realiza uma campanha de influência no continente, sobretudo focada em nações politicamente instáveis. O governo russo faz uso das redes sociais para difundir uma imagem favorável junto à população local e atua até mesmo para influenciar protestos.

Incertezas

A visita de Lavrov ocorre em meio à incertezas quanto a Goita cumprir ou não o acordo de devolver um governo civil à população maliana em março de 2024, particularmente se houver uma continuidade da crise de segurança.

Em janeiro, o grupo rebelde tuaregue Coordenação dos Movimentos de Azawad (CMA), que lutou contra o Estado por anos antes de ser signatário em 2015 de um acordo de paz com o governo e os grupos armados pró-Bamaco, disse que tem atuado para redigir uma nova Constituição, acusando a junta de atraso burocrático.

Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.

Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.

A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes.

Quem assumiu o espaço deixado pelos franceses foi o Wagner Group, um grupo russo de mercenários que firmou acordo de cooperação com Goita. Fontes sustentam que o pagamento pelos serviços da organização russa seria de US$ 10,8 milhões por mês, dinheiro que viria da extração de minerais.

Segundo o general francês Laurent Michon, comandante da Operação Bakhane das forças armadas da França, a retirada de suas tropas não tem nenhuma relação com a chegada dos mercenários, como se especulava. Ele diz que o governo militar maliano sempre deixou claro seu desejo de “nos ver partir sem demora”.

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