Com relações diplomáticas ameaçadas, RD Congo contesta acordos bilionários com a China

Falta de transparência, abusos trabalhistas, corrupção e lucro excessivo levam o país africano a rever contratos firmados com empresas chinesas

Superando a concorrência ocidental, a China é hoje dona de cerca de 70% dos acordos de mineração na República Democrática do Congo. Os contratos, no entanto, são questionados no país africano, sob denúncias de corrupção, lucro excessivo e abusos trabalhistas por parte dos investidores chineses. Diante desse cenário, as relações diplomáticas entre os dois países se aproximam de um colapso, o que levou o presidente congolês Felix Tshisekedi a Beijing nesta semana para tentar mudar o cenário. As informações são do jornal South China Morning Post.

O principal objetivo da visita é renegociar os termos de um contrato de US$ 6,2 bilhões conhecido como Sicomines, assinado em 2008 ainda sob a gestão de Joseph Cabila na RD Congo. De acordo com a agência Reuters, Tshisekedi planeja aumentar a participação congolesa na mina de cobalto e cobre, de 32% para 70%.

A fim de preparar terreno para a visita, o ministro das Relações Exteriores Christophe Lutundula se encontrou na última segunda-feira (22) com o homólogo chinês Qin Gang, sob a promessa de “promover a cooperação prática entre os dois países em vários campos”.

A cordialidade, porém, não dá o tom do momento diplomático delicado que vivem as duas nações. A relação entre RD Congo e China já viveu dias melhores, e investir na reaproximação entre os dois governos é uma das metas do presidente congolês às vésperas das eleições presidenciais de dezembro.

Mina de cobre em Kolwezi, na República Democrática do Congo (Foto: Dave Dyet/Flickr)

“A visita de Lutundula pode ser vista como uma missão diplomática de vanguarda para resolver controvérsias e preparar acordos intergovernamentais a serem anunciados pelos presidentes no final do mês”, disse ao South China Morning Post Tim Zajontz, pesquisador do Centro de Política Internacional e Comparada em Stellenbosch, na África do Sul.

Christian-Geraud Neema, especialista congolês do setor de mineração, ressalta ainda que a proximidade entre Tshisekedi e os EUA e o tom incisivo do presidente ao criticar os acordos de mineração contribuem para distanciar cada vez mais Kinshasa e Beijing.

Promessas não cumpridas

O acordo Sicomines, que será debatido durante a visita, envolve as empresas chinesas Sinohydro Corp. e China Railway Group Limited e está inserido na Nova Rota da Seda da China (BRI, da sigla em inglês Belt and Road Initiative), iniciativa da China para espalhar sua influência através do investimento em projetos de todo o mundo, voltados sobretudo a infraestrutura e transporte.

Tal contrato é bastante contestado pela falta de transparência, com 68% do empreendimento nas mãos dos chineses. A contrapartida prevê US$ 3,2 bilhões de investimento em infraestrutura e outros US$ 3 bilhões no próprio projeto de mineração na província de Katanga, mas Kinshasa alega que os termos lhe são prejudiciais.

De acordo com um relatório do governo congolês, o país não foi adequadamente compensado pelas reservas de cobre e cobalto inseridos no acordo, e o investimento está bem aquém da projeção inicial. Diz o documento que Beijing explorou recursos minerais com lucro previsto de US$ 10 bilhões, mas construiu infraestrutura estimada somente em US$ 822 milhões.

A intenção de Tshisekedi em sua ida à China é mudar os temos do contrato, prevendo um potencial de rentabilidade de US$ 17 milhões, mais próximo da realidade. Segundo a Reuters, a RD Congo também pleiteia, além da participação de 70%, um aumento do investimento chinês, dos atuais US$ 3 bilhões para US$ 6 bilhões, a fim de compensar a maior projeção de lucro.

Jean-Pierre Okenda, diretor de indústrias extrativas da ONG Resource Matters, ressalta a falta de transparência dos acordos de mineração e o quanto eles são vantajosos para Beijing. “Estima-se que 90% das exportações de mineração do Congo vão para a China, mas sua contribuição para o PIB não passa de 30%”, disse ele.

O cobalto explorado através do acordo Sicomines é particularmente relevante para a China, que obtém atualmente mais de 60% do metal a partir das minas da RD Congo, sendo ele componente chave para baterias de veículos elétricos e eletrônicos.

Embora mostre disposição para renegociar as condições do acordo, o relatório incomodou bastante Beijing, com a embaixada chinesa em Kinshasa alegando que ele está “repleto de preconceito”.

Abusos e corrupção

Outro acordo de mineração que contribuiu para estremecer a relação entre China e RD Congo é o do campo de mineração de Tenke Fungurume, segunda maior fonte de cobalto do mundo. Em março do ano passado, a Justiça do país africano chegou a expulsar a empresa China Molybdenum Co do local, sob a alegação de que funcionários do campo sofriam com as más condições de trabalho, sendo frequentes os relatos de agressões e de pagamento de propina para esconder os abusos.

Posteriormente, o presidente congolês Felix Tshisekedi determinou que fosse estabelecida uma comissão para investigar o contrato entre a empresa e o governo, em face das suspeitas de que os chineses não vinham pagando devidamente os valores estabelecidos pelo direito de exploração.

De acordo com a empresa estatal congolesa Gécamines, que atua em parceria com a China Molybdenum Co, os chineses haviam omitido a descoberta de centenas de toneladas de cobre e cobalto na mina. O problema é que o contrato prevê o pagamento de royalties em caso de novas reservas serem detectadas.

Gécamines ingressou com a ação para destituição da mineradora da China do direito de exploração em Tenke Fungurume. Provisoriamente, a Justiça determinou o afastamento da companhia, até que o caso fosse julgado. O impasse foi parcialmente solucionado em abril deste ano, e os chineses foram autorizados a voltar a atuar.

Tags: