Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site do think tank Chatham House
Por Dr. Alex Vines e Tighisti Amare
Dos 49 países africanos que enviaram delegações a São Petersburgo para a segunda cúpula Rússia-África, entre 27 e 28 de julho, apenas 17 chefes de Estado compareceram. Uma queda significativa em relação à primeira cúpula, em 2019 E muito menor do que o número de líderes que participaram da cúpula EUA-África em dezembro de 2022.
Na cúpula de 2019, Putin procurou reacender as relações estabelecidas durante a Guerra Fria e prometeu dobrar o comércio com os países africanos para US$ 40 bilhões em cinco anos – mas o comércio estagnou em US$ 18 bilhões. Desta vez, Moscou prometeu liquidar dívidas no valor de US$ 23 bilhões e anunciou acordos de cooperação militar com mais de 40 países africanos.
Construir um relacionamento mais próximo com o líder de Burkina Faso, o capitão Ibrahim Traore, também parece ter sido uma prioridade para Moscou, que busca aprofundar seu envolvimento no país. Putin se encontrou com Traore à margem da cúpula, e o capitão também foi um dos poucos líderes africanos que compareceram ao desfile naval anual em São Petersburgo com Putin após a cúpula.
Um plano de paz africano para a Ucrânia
Os Estados africanos são ambivalentes sobre a invasão russa da Ucrânia. Embora a maioria apoie a integridade territorial, eles estão mais divididos do que qualquer outra região sobre as resoluções da ONU (organização das Nações Unidas) que criticam as ações da Rússia na Ucrânia.
Na cúpula, alguns líderes africanos falaram favoravelmente da Rússia. O presidente do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa, expressou apoio à invasão russa da Ucrânia, mas acrescentou que “as vítimas de sanções devem cooperar”. O líder da junta militar do Mali, Assimi Goita, e o presidente da República Centro-Africana, Faustin-Archange Touadéra, cujos países dependem cada vez mais dos mercenários do Wagner Group, também expressaram apoio à Rússia, enquanto o presidente da Eritreia, Isaias Afwerki, negou a existência de uma guerra Rússia-Ucrânia e, em vez disso, falou de uma guerra da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) contra a Rússia.
No entanto, os líderes africanos apresentaram uma proposta para ajudar a neutralizar o conflito, que Putin reconheceu que poderia ser uma base para a paz – embora ele afirme que os ataques de Kiev tornaram a cessação das hostilidades “virtualmente impossível”.
As divisões da Rússia também eram visíveis em São Petersburgo. O fundador do Wagner, Evgeny Prigozhin, foi visto às margens da cúpula e ouvido em uma gravação de áudio saudando o golpe militar no Níger como boas notícias e oferecendo os serviços de seus combatentes para trazer ordem. Enquanto isso, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, condenou o golpe e pediu o retorno à ordem constitucional.
Restaurando a Iniciativa de Grãos do Mar Negro
A principal questão para os participantes africanos foi o impacto da guerra na Ucrânia nas economias africanas, especialmente a inflação dos alimentos. Uma delegação de líderes e funcionários africanos de seis países visitou Kiev e São Petersburgo em junho, fazendo lobby para uma extensão da Iniciativa de Grãos do Mar Negro e defendendo um acordo de paz. A invasão da Ucrânia pela Rússia levou a um bloqueio dos portos ucranianos no Mar Negro, retendo 20 milhões de toneladas de grãos destinados à exportação. Isso fez com que os preços mundiais dos alimentos subissem e ameaçou criar escassez, principalmente em países africanos dependentes de importações de alimentos da Ucrânia.
A Iniciativa foi um acordo fechado em julho de 2022 entre a Rússia e a Ucrânia – intermediado pela Turquia e a ONU – permitindo que navios de carga viajassem ao longo de um corredor no Mar Negro. Quase 33 milhões de toneladas de grãos e outros alimentos foram exportados como resultado deste acordo. Mas a Rússia desistiu do acordo em 17 de julho, o que consternou muitos líderes africanos. A retirada da Rússia foi uma ‘punhalada nas costas’ para os países atingidos pela seca, disse o governo do Quênia.
Antes da cúpula de São Petersburgo, parecia que Moscou havia decidido encerrar o acordo para infligir danos econômicos adicionais à Ucrânia. Putin insistiu que o aumento dos preços dos alimentos foi uma consequência dos erros da política ocidental que antecederam a guerra. Na cúpula, ele anunciou que a Rússia poderia substituir comercialmente as exportações de grãos ucranianos e que daria de 25 mil a 50 mil toneladas de grãos gratuitamente, nos próximos meses, para seis países africanos: Burkina Faso, República Centro-Africana, Eritreia, Mali, Zimbábue e a Somália atingida pela fome. E anunciou que também doaria fertilizantes armazenados em portos bálticos.
Não era isso que muitos líderes africanos esperavam ouvir. Os presidentes do Egito e da África do Sul estavam entre os que mais falaram abertamente sobre a necessidade de retomar o acordo de grãos do Mar Negro, mas as críticas foram generalizadas. “O problema dos grãos e fertilizantes diz respeito a todos”, disse o presidente das Comores, Azali Assoumani, que atualmente dirige a União Africana (UA), enquanto o presidente da Comissão da UA, Moussa Faki Mahamat, observou que “o acordo de grãos deve ser estendido em benefício de todos os povos do mundo, em particular os africanos.” A promessa de grãos de Putin também atraiu uma resposta do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, que enfatizou que as doações de grãos não podem compensar o acordo.
Em uma coletiva de imprensa após a cúpula, o presidente Putin afirmou que a iniciativa de paz apresentada pelos líderes africanos não tem nada a ver com o acordo de grãos. Mas não há dúvida de que o comparecimento reduzido de líderes africanos e as conversas diretas sobre a necessidade de paz e um acordo de grãos enviaram um sinal claro a Moscou.
Os líderes africanos que foram a São Petersburgo esperando resultados tangíveis do prometido novo programa de apoio à África de Putin, sem dúvida, concluíram que a Rússia é incapaz de oferecer o que eles precisam, levantando ainda mais a questão de saber se a diplomacia de cúpula deve continuar a ser a principal ferramenta para os parceiros da África.