Um ataque realizado por drones atingiu um mercado na região de Timbuktu, no norte do Mali, no dia 25 de outubro. Oito civis estão entre as vítimas, sendo seis crianças, e a ONG Anistia Internacional cobra do governo central uma investigação para apurar possível crime de guerra.
“As autoridades malinesas devem investigar urgentemente o processo de tomada de decisão e a execução dos ataques com drones que causaram as vítimas civis”, afirmou Samira Daoud, diretora regional da entidade para a África Ocidental e Central.
A Anistia ouviu testemunhas do bombardeio, segundo as quais 15 pessoas ficaram feridas. Elas dizem, ainda, que ao menos duas explosões foram causadas pelos artefatos disparados pelo veículo aéreo não tripulado. Uma das vítimas fatais seria um bebê de quatro meses.
“O princípio da distinção é essencial para orientar a seleção de objetivos militares. Os ataques de drones devem distinguir claramente entre civis e militares ou combatentes pertencentes a grupos armados, evitando qualquer alvo na população civil ou em edifícios não usados para fins militares”, disse Daoud.
Em agosto, as Forças Armadas assumiram a autoria de um ataque semelhante que teria como alvo “terroristas” na cidade de Tinzaouatine, no norte do país africano. Entretanto, rebeldes tuaregues da região atingida alegam 21 civis estão entre as vítimas daquele bombardeio, inclusive 11 crianças.
Segundo os tuaregues, as bombas atingiram uma farmácia e um grupo de pessoas que estavam reunidas no local bombardeado. Os militares, por sua vez, disseram na oportunidade que realizaram um “ataque de precisão” que “teve como alvo terroristas”.
Por que isso importa?
O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.
A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.
Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.
Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.
Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.
Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.
A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes. O espaço deixado pelos franceses foi assumido inicialmente pelos mercenários do Wagner Group, da Rússia.