Haia inicia julgamento de ex-líder de milícia da República Centro-Africana

Mahamat Said Abdel Kani é acusado de cometer ou ordenar crimes contra a humanidade e crimes de guerra no país africano

O julgamento de um ex-comandante paramilitar acusado de cometer ou ordenar crimes contra a humanidade e crimes de guerra na República Centro-Africana (RCA) começou nesta segunda-feira (26) no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda.

Mahamat Said Abdel Kani, líder de alto escalão da milícia majoritariamente muçulmana Séléka, se declarou inocente de todas as acusações relacionadas às atrocidades cometidas em 2013, na capital Bangui.

Grande parte da violência no país africano resultou de confrontos entre o Séléka e a facção Anti-Balaka, majoritariamente cristã. Antes dos crimes serem cometidos, do final de 2012 ao início de 2013, a milícia Séléka avançou em direção à capital, atacando delegacias, ocupando bases militares, capturando cidades e capitais regionais e alvejando supostos apoiadores do presidente François Bozizé.

Eles tomaram Bangui em março de 2013 e, com forças de até 20 mil homens, saquearam casas enquanto procuravam simpatizantes de Bozizé, atiraram nos que fugiam pelas costas ou mataram outras pessoas em suas casas.

Sede do Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia (Foto: UN Photo/Rick Bajornas)

“Mulheres e meninas foram estupradas individualmente e em grupo na frente de seus filhos ou pais; alguns morreram como resultado de seus ferimentos”, diz o mandado de prisão. “Parte da população civil foi alvo de múltiplos atos de assassinato, prisão, tortura, estupro, perseguição por motivos políticos, étnicos e religiosos, pilhagem de casas pertencentes a não-muçulmanos e outros percebidos como cúmplices ou apoiadores dos Bozizé”.

A ficha de acusação de Kani inclui prisão, tortura, perseguição, desaparecimento forçado e outros atos desumanos, cometidos em Bangui entre aproximadamente abril e novembro de 2013. Ele “supervisionou as operações do dia-a-dia” de um infame centro de detenção para onde homens foram levados após serem presos por membros do Séléka.

“Os prisioneiros eram mantidos em celas pequenas, escuras e lotadas, com apenas um balde como banheiro e pouca ou nenhuma comida, fazendo com que os detidos bebessem sua própria urina”, diz o material divulgado pelo TPI. Os detidos eram açoitados com tiras de borracha, espancados com coronhas de fuzil e ouviam ameaças como “vamos matar vocês um a um”.

Era comum os presos passarem várias horas em uma posição específica tão dolorosa que alguns “pediam para serem mortos”. A posição, conhecida como “arbatacha”, envolvia amarrar as mãos do detento e as pernas atrás das costas, com as pernas tocando os cotovelos.

Kani supostamente se referia à técnica como “a mais eficaz para obter confissões”, explicou o TPI, ao mesmo tempo em que observou que ele era responsável por decidir quais prisioneiros deveriam ser transferidos para uma cela subterrânea localizada sob seu escritório.

Em outro centro de detenção conhecido como CEDAD, onde as condições foram descritas como “desumanas”, o tribunal sustentou que Kani era o “comandante das operações” e “manteve uma lista de pessoas a serem presas” ou ordenou sua prisão.

Conteúdo adaptado do material publicado originalmente em inglês pela ONU News

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