Problemas na Nova Rota da Seda no Sul Global colocam iniciativa chinesa em xeque

Falta de transparência e impactos sociais e ambientais negativos podem levar países a reconsiderarem sua participação na BRI

A Iniciativa Nova Rota da Seda (Belt and Road Iniciative, da sigla em inglês BRI), um ambicioso projeto chinês que visa conectar a China ao mundo exterior por meio de investimentos e projetos de infraestrutura, embora tenha tido sucessos econômicos, também enfrentou desafios e problemas em várias frentes. Um fio condutor desses casos tem sido a incapacidade de Beijing de gerenciar as complexidades políticas associadas ao desenvolvimento de infraestrutura.

Nem todos os projetos nos países do Sul Global tiveram o resultado esperado. Um caso emblemático é a construção de uma ferrovia de US$ 5 bilhões no Quênia, projetada para acelerar o fluxo e aumentar a capacidade de movimentação de mercadorias de e para o porto de Mombasa. Financiada por empréstimos chineses, ela enfrenta o risco de se tornar um grande fracasso, segundo reportagem da rede BBC. Além disso, a BRI resultou em pesadas dívidas para nações mais pobres, suscitando dúvidas sobre sua viabilidade a longo prazo.

Em outro país africano, Angola, mais problemas, como mostrou reportagem do jornal The Wall Street Journal. Em 2012, uma empresa estatal chinesa concluiu a construção de uma estação de trem em uma cidade central no país, incluindo um painel iluminado para exibir horários de partida e preços das passagens. No entanto, os empreiteiros chineses foram embora sem compartilhar a senha do computador com as autoridades locais. Como resultado, o quadro de partidas continua mostrando os mesmos horários e preços há mais de uma década.

Ferrovia de Benguela, em Angola, projeto construído pelo Grupo CR20, uma companhia estatal da China, e financiado pelo Banco de Exportação e Importação da China (Foto: mwmbwls/Flickr)

Os funcionários da ferrovia angolana afirmam que alertaram os clientes sobre a falta de atualização das informações, resultando na desatenção dos passageiros. Cahilo Yilinga, um cobrador de passagens, compartilhou essa situação durante uma viagem de 320 quilômetros entre Luena e Luau, onde os trilhos cruzam a fronteira com a República Democrática do Congo.

Queda de braço

Diante da situação, os EUA viram uma janela aberta para desafiar a influência da China na África, especialmente em Angola, que costumava ser fortemente ligada Beijing. Em 2022, Luanda recusou uma oferta chinesa para reabilitar o Corredor do Lobito – uma ferrovia vital no pais, conectando a cidade portuária do Lobito ao leste do país e servindo como uma rota crucial para o transporte de minerais e outros produtos entre o interior e a costa atlântica –, optando por conceder uma concessão a um consórcio europeu apoiado pelos EUA. Este consórcio promete transportar minerais de energia verde, como cobre e cobalto, do Congo para a costa atlântica de Angola.

Os EUA estão planejando emprestar US$ 250 milhões e seu prestígio para garantir o sucesso do projeto do Corredor do Lobito, no valor de US$ 1,7 bilhão. Isso representa um desafio direto à influência comercial da China na região, segundo Alex Vines, diretor do programa para a África da Chatham House, um renomado instituto de pesquisa em política internacional sediado em Londres.

Nos últimos anos, os EUA têm observado a China expandir sua influência na África através da BRI, enquanto a Rússia avança com mercenários vinculados ao Kremlin aos moldes do Wagner Group, que fornecem apoio militar e extraem recursos em países africanos. No entanto, o governo Biden prioriza melhorar as relações comerciais com o continente, mostrando que Washington e seus aliados podem competir por posição econômica e influência política na região.

Recentemente, o Banco de Exportação-Importação dos EUA concedeu empréstimos significativos para projetos de energia solar e pontes de aço em Angola, demonstrando o compromisso do país com o desenvolvimento africano. Foram disponibilizados 900 milhões de dólares.

Em dezembro de 2023, o consórcio ferroviário com sede no Texas, All-American Rail Group, firmou um memorando de entendimento com o governo de Angola para explorar melhorias em uma rota ferroviária paralela ao Congo, atravessando o norte do país. O Ministério dos Transportes de Angola estimou o potencial investimento vinculado ao projeto, focado principalmente no comércio agrícola, em 4,5 bilhões de dólares.

Tulinabo Mushingi, embaixador dos EUA em Luanda, capital de Angola, apelou aos angolanos para considerarem o modelo americano. “Peço aos angolanos que nos deem a oportunidade de competir e de apresentar nosso modelo. Tenho confiança de que será atraente para eles no final das contas”, disse o diplomata.

Problemas na América do Sul

Peru

O projeto do Megaporto de Chancay, no Peru, enfrentou diversos problemas desde o seu início, segundo o site Diálogo Américas.

Deslizamento de terra e suspensão da construção: Em maio de 2023, um deslizamento de terra interrompeu a construção do túnel do porto, causando danos em Peralvillo e levando à suspensão das obras. Uma investigação foi iniciada pelo Ministério Público do Peru contra a empresa estatal chinesa China Cosco Shipping Ports Ltd., responsável pelo projeto.

Colapso de rua: Em outubro de 2022, a construção do túnel resultou no colapso parcial de uma rua em Peralvillo, gerando preocupações entre os moradores. A China Cosco Shipping Ports Ltd. atribuiu os problemas à qualidade das construções na cidade.

Impacto ambiental e preocupações com a flora e fauna: Explosões durante a construção afetaram casas e levantaram preocupações ambientais na Área Protegida Santa Rosa Chancay Wetland. O Comitê de Monitoramento Ambiental alertou para os impactos na flora e fauna da área protegida.

Preocupações sobre a soberania e uso dual do Porto: Há preocupações sobre o domínio crescente da China na região e o uso duplo do porto. Alguns questionam o controle chinês do local estratégico em vez do governo peruano, levantando questões de soberania.

Equador

A Refinaria Estatal de Esmeraldas (REE), no Equador,  é um dos projetos mais importantes da BRI no país, e enfrentou uma série de desafios. A REE está em operação desde 2019, mas ainda não está funcionando em sua capacidade total. O investimento total é de US$ 2,2 bilhões, segundo o site Diálogo Chino.

A construção da refinaria foi realizada por empresas chinesas, principalmente a China National Petroleum Corporation (CNPC), uma das maiores empresas de petróleo e gás do mundo e com grande experiência na construção de refinarias.

O projeto foi criticado por alguns por questões como o alto custo do empréstimo chinês, os impactos ambientais e sociais da refinaria e a falta de transparência nos acordos entre o Equador e a China.

Falta de manutenção adequada: A REE sofreu com a falta de manutenção ao longo dos anos, afetando sua capacidade de processamento de petróleo.

Corrupção e escândalo dos Panama Papers: Revelações dos Panama Papers em 2016 implicaram funcionários da REE em esquemas de corrupção, prejudicando a reputação da refinaria.

Desinversão e politização: A refinaria enfrentou desinvestimento em infraestrutura e politização de cargos, contribuindo para sua situação crítica.

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