Ruanda usa violência para perseguir opositores em todo o mundo, denuncia ONG

Human Rights Watch descreve uma ampla variedade de estratégias usadas para silenciar dissidentes dentro do país e no exterior

Um relatório da ONG Human Rights Watch publicado na terça-feira (10) denuncia que as autoridades de Ruanda têm recorrido a violência, ações judiciais e intimidação para silenciar críticos do governo em todo o mundo, a fim de reprimir dissidências no exterior e enviar um forte recado aos opositores domésticos, sob o argumento de proteger a imagem do país africano.

O relatório, intitulado ‘Junte-se a nós ou morra: a repressão extraterritorial de Ruanda’, descreve um amplo conjunto de táticas que formam um mecanismo global de repressão, visando sufocar vozes dissidentes e intimidar potenciais críticos. Os métodos estatais incluem violência física, vigilância, abuso da aplicação da lei e assédio online.

Segundo Tirana Hassan, diretora-executiva da HRW, mesmo os cidadãos que residem a longas distâncias de Ruanda se autocensuram, evitam o ativismo político e vivem com medo de viajar, temendo ataques a si próprios ou a seus familiares no país.

“Os parceiros de Ruanda precisam reconhecer a verdadeira natureza dos esforços de Kigali, que resultam em grande parte de três décadas de impunidade do partido no poder, a Frente Patriótica Ruandesa (RPF)”, disse Hassan.

Ruandenses convivem com a violência desde o genocídio nos anos 1990 e país não teve melhorias nos direitos civis na sua reconstrução, diz relatório (Foto: This is Africa/Flickr)

A HRW conduziu entrevistas com mais de 150 pessoas em várias partes do mundo para investigar as estratégias usadas pelas autoridades e seus representantes contra os ruandeses que vivem no exterior. A ONG documentou abusos direcionados a ruandeses em países como Austrália, Bélgica, Canadá, França, Quênia, Moçambique, África do Sul, Tanzânia, Uganda, Reino Unido e Estados Unidos, bem como contra seus familiares em Ruanda.

Esses relatos destacam a brutalidade dos ataques contra aqueles que se opõem ao governo ou se recusam a apoiá-lo, incluindo quem não deseja participar de grupos da diáspora ao redor do mundo.

Segundo o estudo, as autoridades frequentemente empregam várias táticas simultaneamente e continuam a pressionar até que a pessoa visada desista. Ao permanecerem no exterior e expressarem críticas às autoridades ruandesas, os refugiados e solicitantes de asilo também desafiam a narrativa que o governo procura promover: a de que Ruanda é um país do qual as pessoas não precisam fugir.

A Human Rights Watch constatou ao menos 12 doze casos de assassinatos, sequestros ou tentativas de sequestro, desaparecimentos forçados e ataques físicos contra ruandeses que vivem no exterior. A ONG aponta que o governo de Ruanda buscou colaboração com autoridades policiais ao redor do mundo, inclusive emitindo alertas vermelhos da Interpol, iniciando processos judiciais e fazendo solicitações de extradição, com o objetivo de repatriar críticos ou dissidentes de volta ao país.

Reconstrução controversa

O presidente do Ruanda, Paul Kagame, e o partido no poder são elogiados por reconstruir o país após o devastador genocídio de 1994, quando cerca de um milhão de pessoas morreram em cem dias, incluindo hutus e cidadãos que resistiram ao ato. No entanto, a renomada especialista em direitos humanos Alison Des Forges documentou por duas décadas a negligência da comunidade internacional em seu relato oficial sobre o extermínio em massa no pais.

Após assumir o poder, a RPF se concentrou no desenvolvimento do país e na melhoria de sua imagem global. O governo atraiu investimentos, promoveu o turismo e sediou eventos importantes, como o primeiro torneio da Liga Africana de basquetebol em maio de 2021 e a reunião de chefes de governo da Commonwealth em junho de 2022.

No entanto, esses avanços não foram acompanhados por melhorias nos direitos civis e políticos. O governo criminalizou a criação de uma “opinião internacional hostil” em relação a ele e usou essa lei para processar e amedrontar críticos e jornalistas dentro de Ruanda.

Nem na internet os opositores estão livres dos olhares do governo. Muitas pessoas que vivem fora do país, incluindo sobreviventes do genocídio, afirmam ter enfrentado ataques online por expressarem críticas ao partido no poder. Além disso, alguns entrevistados relataram que seus próprios familiares foram coagidos a denunciá-los em canais de apoio ao governo no YouTube.

Ao visarem dissidentes reais ou suspeitos que vivem no exterior, bem como seus familiares, as autoridades ruandesas infringiram vários direitos fundamentais. Isso inclui o direito à vida, à segurança física, à liberdade, à proteção contra tortura, à liberdade de movimento, à privacidade, à liberdade de expressão e associação, e o direito a um julgamento justo, aponta o relatório.

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