A situação instável de segurança no Mali levou a ONU (Organização das Nações Unidas) a encerrar mais cedo que o planejado sua missão de paz, a Minusma, da cidade de Ber, no norte do país. As informações são da rede France 24.
Durante o processo de evacuação, três boinas azuis, como são conhecidos os soldados de paz da ONU, ficaram feridos. O governo do Mali diz que suas forças de segurança também foram atacadas por “grupos terroristas armados” e relatou as mortes de seis militares no sábado (12).
Segundo a Minusma, a retirada de Ber já estava prevista, parte do processo que dará fim completamente à atuação das forças de paz das Nações Unidas no país africano. Porém, teve que ser realizada mais cedo que o planejado inicialmente.
“A Minusma antecipou sua retirada de Ber devido à deterioração da segurança na área e aos altos riscos que isso representa para os nossos capacetes azuis”, disse a missão através do Twitter. “Nosso comboio que se retirou de Ber foi atacado duas vezes. Três capacetes azuis feridos foram evacuados para Timbuktu para tratamento médico.”
La MINUSMA a anticipé son retrait de #Ber en raison de la dégradation de la sécurité dans la zone & des risques élevés que cela fait peser sur nos #CasquesBleus. Elle invite les différents acteurs concernés à s’abstenir de tout acte qui pourrait davantage compliquer l'opération
— MINUSMA (@UN_MINUSMA) August 13, 2023
Após anos de tensões entre a ONU e a junta militar do Mali, o fim planejado da Minusma está próximo, a pedido do governo local. O ministro das Relações Exteriores maliano Abdoulaye Diop, disse ao Conselho de Segurança que a missão “se tornou parte do problema ao alimentar as tensões intercomunitárias” na nação.
A ONU chegou a anunciar que encerraria a missão completamente em junho, mas seguirá o cronograma estabelecido pelo governo local. Assim, seguirá ativa até o final do ano, adotando um processo gradativo de retirada de seus homens que tende a ser concluído até o dia 31 de dezembro.
A missão das Nações Unidas desempenhou um papel crucial na proteção dos civis contra a insurgência islâmica, que já causou milhares de mortes. Especialistas temem que a partida da missão deixe o exército maliano subequipado, lutando contra militantes que controlam vastas áreas do deserto ao norte e no centro do país, com o apoio de cerca de mil combatentes do Wagner Group, ligado à Rússia.
Criada em 2013, a Minusma é a missão com maior número de baixas desde que foi estabelecida pelas Nações Unidas, em 2013, com 309 mortes. Chade, Bangladesh e Egito são os países que mais cedem militares à missão.
Por que isso importa?
O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.
A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.
Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.
Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.
Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.
Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.
A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes.