Sob ameaça, Nações Unidas encerram missão de paz no norte do Mali

Três boinas azuis, como são conhecidos os soldados de paz da ONU, ficaram feridos durante a evacuação na cidade de Ber

A situação instável de segurança no Mali levou a ONU (Organização das Nações Unidas) a encerrar mais cedo que o planejado sua missão de paz, a Minusma, da cidade de Ber, no norte do país. As informações são da rede France 24.

Durante o processo de evacuação, três boinas azuis, como são conhecidos os soldados de paz da ONU, ficaram feridos. O governo do Mali diz que suas forças de segurança também foram atacadas por “grupos terroristas armados” e relatou as mortes de seis militares no sábado (12).

Segundo a Minusma, a retirada de Ber já estava prevista, parte do processo que dará fim completamente à atuação das forças de paz das Nações Unidas no país africano. Porém, teve que ser realizada mais cedo que o planejado inicialmente.

“A Minusma antecipou sua retirada de Ber devido à deterioração da segurança na área e aos altos riscos que isso representa para os nossos capacetes azuis”, disse a missão através do Twitter. “Nosso comboio que se retirou de Ber foi atacado duas vezes. Três capacetes azuis feridos foram evacuados para Timbuktu para tratamento médico.”

Após anos de tensões entre a ONU e a junta militar do Mali, o fim planejado da Minusma está próximo, a pedido do governo local. O ministro das Relações Exteriores maliano Abdoulaye Diop, disse ao Conselho de Segurança que a missão “se tornou parte do problema ao alimentar as tensões intercomunitárias” na nação.

A ONU chegou a anunciar que encerraria a missão completamente em junho, mas seguirá o cronograma estabelecido pelo governo local. Assim, seguirá ativa até o final do ano, adotando um processo gradativo de retirada de seus homens que tende a ser concluído até o dia 31 de dezembro.

A missão das Nações Unidas desempenhou um papel crucial na proteção dos civis contra a insurgência islâmica, que já causou milhares de mortes. Especialistas temem que a partida da missão deixe o exército maliano subequipado, lutando contra militantes que controlam vastas áreas do deserto ao norte e no centro do país, com o apoio de cerca de mil combatentes do Wagner Group, ligado à Rússia.

Criada em 2013, a Minusma é a missão com maior número de baixas desde que foi estabelecida pelas Nações Unidas, em 2013, com 309 mortes. Chade, Bangladesh e Egito são os países que mais cedem militares à missão.

Membros da operação de paz da ONU atuam durante a crise política no Mali (Foto: Minusma/Gema Cortes)
Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.

Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.

A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes.

Tags: