A Minusma, missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) no Mali, que durou uma década, está prevista para encerrar na próxima sexta-feira (30). Diplomatas informaram que o Conselho de Segurança votará em breve sobre um projeto de resolução que dará à operação, composta por 13 mil soldados, um prazo de seis meses para a retirada completa. As informações são da agência Reuters.
Após anos de tensões entre a ONU e a junta militar do Mali, o fim planejado da Minusma está próximo. O pedido recente do ministro das Relações Exteriores maliano Abdoulaye Diop para uma saída imediata da força de paz, que disse em pronunciamento dirigido ao Conselho de Segurança que a missão “se tornou parte do problema ao alimentar as tensões intercomunitárias” na nação, levanta preocupações sobre uma interrupção abrupta da operação.
A missão das Nações Unidas desempenhou um papel crucial na proteção dos civis contra a insurgência islâmica, que já causou milhares de mortes. Especialistas temem que a partida da missão deixe o exército maliano subequipado, lutando contra militantes que controlam vastas áreas do deserto ao norte e no centro do país, com o apoio de cerca de mil combatentes do Wagner Group, ligado à Rússia.
Embora não tenha confirmado abertamente, Bamako priorizará a partir de agora a parceria firmada com os mercenários russos.
Além disso, as operações do grupo mercenário Wagner enfrentaram questionamentos após um motim fracassado na Rússia. O líder da organização paramilitar privada, Evgeny Prigozhin, afirmou que recebeu permissão para operar fora de Belarus.
De acordo com o esboço, a Minusma teria até 31 de dezembro para realizar uma retirada “ordenada e segura”, sujeita a revisão pelo Conselho de Segurança até 30 de outubro. O Conselho poderia, se necessário, discutir um cronograma revisado em consulta com o Mali.
As operações da Minusma seriam reduzidas a fornecer segurança ao pessoal, instalações e comboios da ONU. Além disso, a força de paz continuaria realizando evacuações médicas para o pessoal da ONU.
No entanto, o rascunho da resolução também autorizaria a Minusma a responder a ameaças iminentes de violência contra civis e auxiliar na entrega segura de assistência humanitária, em consulta com as autoridades malianas, até o final do ano e sempre que possível.
A resolução proposta pela França ainda está sendo discutida pelos membros do Conselho de Segurança, mas espera-se que não haja mudanças significativas antes da votação prevista para quinta-feira. Para ser aprovada, a resolução requer pelo menos nove votos favoráveis e nenhum veto dos membros permanentes do Conselho, que são Rússia, China, Estados Unidos, Reino Unido e França.
Criada em 2013, a Minusma é a missão com maior número de baixas desde que foi estabelecida pelas Nações Unidas, em 2013, com 309 mortes. Chade, Bangladesh e Egito são os países que mais cedem militares à missão.
Berlim tem pressa
O ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, expressou o desejo de acelerar a retirada das tropas alemãs do Mali, de forma ordenada, em vista do término planejado da missão de paz da ONU, segundo informou a agência Al Jazeera.
Durante uma entrevista à emissora ZDF, ele enfatizou que o objetivo é sair do país africano o mais rápido possível, mas garantindo uma retirada ordenada. A Alemanha, que originalmente enviou cerca de mil soldados para o Mali, já está em processo de retirada e planeja concluir essa operação até maio de 2024.
A maior parte das tropas estava posicionada nas proximidades da cidade de Gao, localizada no norte do Mali. Sua principal responsabilidade consistia em coletar informações para a Minusma.
Futuro frágil
O Mali vislumbra um futuro frágil no horizonte, com recentes acontecimentos agravando a situação, segundo contextualiza a revista Foreign Policy. No domingo (25), ocorreu um referendo constitucional, considerado crucial pela junta militar no poder para restabelecer o governo civil. No entanto, os resultados finais foram adiados devido à violência contra as autoridades eleitorais.
Relatos indicam fechamento de seções eleitorais, especialmente na região norte de Kidal, e sequestro de funcionários eleitorais por homens armados. Além da presença do grupo paramilitar russo Wagner Group, com o qual a junta do Mali tem buscado apoio, o país tem enfrentado a violência de grupos militantes, incluindo a Al Qaeda e o Estado Islâmico (EI).
Por que isso importa?
O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.
A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.
Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.
Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.
Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.
Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.
A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes.