Tensões se intensificam entre forças do Sudão e dos Emirados Árabes

Exército sudanês quebrou o silêncio e denunciou o envolvimento de Abu Dhabi no conflito, como fornecedor de armas à milícia RSF

Após meses de silêncio, o exército sudanês finalmente se manifestou sobre a alegada interferência dos Emirados Árabes Unidos no conflito civil que eclodiu em 15 de abril no país africano. A situação atingiu um novo patamar, gerando acusações entre as autoridades de Cartum e Abu Dhabi, conforme relato do The Defense Post.

Desde abril, o confronto entre as Forças de Apoio Rápido (RSF) e as Forças Armadas Sudanesas (SAF) já provocou mais de 12 mil mortes e o deslocamento de milhões de pessoas, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas).

Já as tensões entre os países pioraram em novembro, quando o general Yasser al-Atta, segundo no comando do Exército, acusou abertamente os Emirados Árabes de apoiarem as RSF e seu líder Mohamed Hamdan Daglo (conhecido como Hemedti), referindo-se a ambos como uma “máfia estatal” que escolheu o “caminho do mal”.

Soldado sudanês durante treinamento (Foto: WikiCommons)

Atta também alegou que Abu Dhabi canalizou armas para as RSF por rotas no Chade, em Uganda e na República Centro-Africana, com o auxílio do Wagner Group. Ainda acusou Khalifa Haftar, líder do leste da Líbia, de servir como canal para fornecimento de equipamento militar.

Especialistas vinham alertando sobre uma suposta linha de abastecimento desde os estágios iniciais da guerra, mas apenas em novembro o exército do Sudão formalizou essa acusação.

Até então, o comando liderado por Burhan adotava uma postura diplomática, evitando confrontos verbais diretos com atores-chave como Haftar, Rússia e Abu Dhabi, conforme afirmou Jalel Harchaoui, associado do think tank britânico Royal United Services Institute (RUSI) à agência AFP.

A dinâmica mudou drasticamente no último dia 10, quando o Exército tornou públicas suas acusações, resultando na expulsão de 15 diplomatas dos Emirados Árabes pelo Ministério das Relações Exteriores sudanês.

Ligações

Em agosto, o Wall Street Journal informou que remessas de ajuda, enviadas via Uganda para refugiados sudaneses no Chade, supostamente continham armas para as RSF. Os Emirados Árabes Unidos negaram envolvimento no conflito.

Segundo Alex de Waal, especialista em Sudão, o presidente dos Emirados, Mohamed bin Zayed, apoia Daglo, líder das RSF, desde 2015, quando o líder da milícia forneceu combatentes para lutar na guerra civil do Iêmen.

O analista também destaca que Daglo, que tem grande influência na mineração de ouro em território sudanês, mantém um “negócio mutuamente lucrativo de comércio” do metal precioso com Abu Dhabi.

Por que isso importa?

O Sudão vive um violento conflito armado que coloca frente a frente dois generais que comandam o país africano desde o golpe de Estado de 2021: Abdel Fattah al-Burhan, chefe das SAF, e Mohamed Hamdan “Hemedti” Daglo, à frente da milícia das RSF.

As tensões decorrem de divergências sobre a incorporação dos combatentes das RSF às Forças Armadas, o que levou a milícia a se insurgir. Hemedti tem entre 70 mil e cem mil homens sob seu comando, de acordo com a rede Deutsche Welle (DW), enquanto al-Burhan lidera um efetivo de cerca de 200 mil.

No dia 16 de abril, um domingo, explosões puderam ser ouvidas no centro da capital Cartum, mais precisamente no entorno do quartel-general militar do Sudão e do palácio presidencial, locais estratégicos reivindicados tanto por militares quanto pelas RSF.

O aeroporto internacional da capital, tomado pela milícia, foi bombardeado com civis dentro. Aeronaves foram destruídas, e caças da força aérea sudanesa e tanques foram usados contra os paramilitares.

Embora as SAF sejam mais bem equipadas e em maior número, as RSF são igualmente bem treinadas, o que equilibra as ações. O balanço de forças apenas prolonga as hostilidades e a violência decorrente, com nenhum dos dois lados conseguindo se impor sobre o inimigo.

Desde que o conflito se espalhou, primeiro pela capital, depois por outras regiões do país, as nações estrangeiras que tinham cidadãos e representantes diplomáticos no Sudão realizaram um processo de evacuação, viabilizado por um frágil cessar-fogo que não foi totalmente respeitado pela partes.

Os números de civis mortos e vítimas de abusos diversos não param de crescer desde então. A situação levou o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, a dizer em julho que o país africano está “à beira de uma guerra civil“, com ao menos sete milhões de pessoas forçadas a deixar suas casas.

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