Tragédia humanitária: mortes por fome disparam em Tigré, na Etiópia

Diplomata destacou a urgência de fornecer ajuda alimentar às pessoas deslocadas internamente na região devastada pela guerra

Na quinta-feira (23), a região de Tigré, no norte da Etiópia, que enfrenta uma severa seca, registrou dezenas de mortes por fome, conforme confirmado pelo escritório de Gestão de Risco de Desastres local. As informações são da agência Anadolu.

Autoridades relatam que 46 pessoas faleceram em Yechila devido à escassez de alimentos, enquanto seis perderam a vida na região de Amhara, em Wag Hemra. Além disso, mais de quatro mil cabeças de gado sucumbiram à severa seca.

Alemayehu Gebremariam, representante da comunidade em Abergelle, destacou que, dos 19 mil hectares cultivados, 17 mil hectares de culturas sucumbiram aos efeitos devastadores da estiagem.

Na quinta-feira (23), a embaixadora da Irlanda na Etiópia, Nicola Brennan, enfatizou a urgência de ajuda humanitária durante sua visita à região. Ela se concentrou especialmente em fornecer sustento essencial às pessoas deslocadas internamente (PDI) que enfrentam as dificuldades do conflito civil prolongado.

“Vimos as condições e desafios enfrentados pelos deslocados internos. Eles estão em uma situação difícil, precisando de abrigo e apoio alimentar”, disse Brennan. “Atualmente, a necessidade crítica deles é comida, e estamos felizes em saber que a distribuição de ajuda alimentar em Tigré recomeçará em breve”, acrescentou, falando em coletiva de imprensa após uma reunião com o presidente da administração interina da região do Tigré, Getachew Reda.

Famílias de refugiados preparam injera, um alimento tradicional da Etiópia (Foto: WikiCommons)

Brennan enfatizou a urgência de esforços contínuos para fornecer recursos essenciais, especialmente alimentos, visando aliviar o sofrimento das pessoas impactadas pelo conflito prolongado e pelas adversas condições ambientais. Ela apelou à comunidade internacional para se unir no enfrentamento da crescente crise alimentar na região.

Desvio de ajuda

Em junho, a entrega de comida foi interrompida na região, quando o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) denunciaram que as cargas destinadas à população local vinham sendo desviados para funções diversas.

Os responsáveis pelo desvio de ajuda humanitária seriam funcionários dos governos regional e federal etíope e soldados da Eritreia, cujas forças armadas são parceiras de Adis Abeba no conflito contra os rebeldes de Tigré. A denúncia foi feita com base em uma investigação conduzida por autoridades da região no norte da Etiópia, e o governo central vem apurando o caso.

No entanto, no dia 13 de novembro, a Usaid anunciou a retomada da distribuição de ajuda alimentar na Etiópia em dezembro, após uma interrupção de seis meses.

Por que isso importa?

A região de Tigré, no extremo norte da Etiópia, esteve imersa em conflitos por dois anos desde novembro de 2020, quando disputas eleitorais levaram Addis Abeba a determinar a tomada das instituições locais. A disputa opõe a Frente de Libertação do Povo Tigré (TPLF, na sigla em inglês), partido político com um braço armado que liderou a coalizão rebelde, às forças de segurança nacionais da Etiópia.

Os militares chegaram a reconquistar Tigré, mas os rebeldes viraram o jogo e começaram a ganhar território. No final de junho de 2021, eles anunciaram um processo de “limpeza” para retomar integralmente o controle da região e assumiram o comando de Mekelle.

Pouco após a derrota do exército, o governo da Etiópia decretou um cessar-fogo e deixou Tigré. Os soldados do exército da aliada Eritreia também deixaram de ser vistos por lá. Posteriormente, com o avanço dos rebeldes, que chegaram às regiões vizinhas de Amhara e Afar, o exército foi enviado novamente para apoiar as tropas locais.

Durante o conflito, a TPLF se aliou ao Exército de Libertação Oromo (OLA, na sigla em inglês), que em 2020 se desvinculou do partido político homônimo e passou a defender de maneira independente a etnia Oromo, a maior da Etiópia.

A coalizão passou a superar o exército nos confrontos armados e chegou a ameaçar rumar para a capital, sem sucesso. A situação estava relativamente calma em 2022 até agosto, quando nos confrontos eclodiram. Três meses depois, um cessar-fogo foi firmado, e os rebeldes começaram a depor suas armas.

Acredita-se que dezenas de milhares de pessoas tenham morrido no conflito, com milhões de deslocados das regiões de Tigré, Amhara e Afar. Em março de 2023, os EUA acusaram todas as partes envolvidas no conflito de cometerem crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

A denúncia recai não apenas sobre as forças armadas da Etiópia e da Eritreia, país vizinho que apoiou o governo etíope durante o conflito. Também atinge as milícias de oposição, quais sejam a TPLF e as forças rebeldes de Amhara.

Atualmente, com o pacto de paz ativo, Tigré enfrenta um período de calmaria, sob um governo interino liderado pela TPLF e à espera de eleições prometidas por Adis Abeba.

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