Al-Qaeda e Estado Islâmico incentivam seguidores a realizarem ataques terroristas

Grupos extremistas elogiam agressão do Hamas a Israel e pedem apoio na luta contra os 'judeus e seus aliados infiéis hipócritas'

Os dois principais grupos terroristas do mundo, Al-Qaeda e Estado Islâmico (EI), passaram a convocar nas últimas semanas seus seguidores para que realizem ataques contra alvos judeus e aliados de Israel. As informações são do jornal The Guardian.

No caso da Al-Qaeda, as manifestações partiram principalmente de suas facções na África. O Al-Shabaab, da Somália, parabenizou o Hamas pelo ataque a Israel no dia 7 de outubro, dizendo que não foi apenas “a batalha das facções islâmicas na terra da Palestina em particular, mas sim a batalha de toda a Ummah”, usando uma expressão em árabe que se refere à comunidade muçulmana.

O grupo, então, convocou apoiadores a agirem. “Os muçulmanos devem se reunir e oferecer tudo o que puderem para apoiar os mujahideen contra os judeus e seus aliados infiéis hipócritas. A força desta nação reside na força das suas frentes jihadistas.”

De acordo com o Long War Journal, site especializado em extremismo islâmico, grupos do Norte da África e da África Ocidental divulgaram um comunicado conjunto direcionado ao Hamas. “Parabenizamos suas ações e pedimos que continuem mordendo os dentes com paciência no caminho da jihad”, diz o texto.

O EI também se dirigiu ao Hamas, embora seja um crítico habitual do grupo que governa a Faixa de Gaza. Apesar de ter novamente contestado a ligação do grupo palestino com o Irã, bem como suas conexões políticas em Israel, a facção extremista originária do Iraque e da Síria ofereceu dicas sobre “medidas práticas para combater os judeus.”

Membros do Estado Islâmico no deserto de Homs, Síria (Foto: Observatório Sírio para os Direitos Humanos)

Segundo Caleb Weiss, analista da Fundação Bridgeway, que se dedica a prevenir e combater atrocidades em massa, a convocação tende a surtir efeito.

“Neste momento, é muito mais provável que vejamos indivíduos responderem a este tipo de apelos”, disse ele. “Mas, à medida que a guerra avança, podemos ver conspirações mais organizadas sendo montadas. Todos estes grupos estão tentando explorar o conflito para mobilizar apoio, tanto local como internacionalmente.”

Ken McCallum, diretor-geral da agência de espionagem doméstica britânica, o popular MI5, concordou que seguidores “autoiniciados”, geralmente recrutados através de campanhas pela internet, tendem a responder  de “forma espontânea ou imprevisível”, com o aumento do risco de ataques no Reino Unido.

Europa em alerta

Episódios recentes mostram que o alerta dos especialistas faz sentido. Nas últimas semanas, a Europa foi palco de dois ataques com vítimas fatais e de alertas de bomba que levaram à evacuação de algumas das mais importantes atrações turísticas do continente.

A Europa já havia ampliado o alerta em agosto, após protestos realizados na Suécia que incluíram a queima de cópias do Alcorão, o livro sagrado do Islamismo. Na ocasião, os Estados Unidos e o Reino Unido alertaram seus cidadãos para o perigo terrorista no país escandinavo, que por sua vez elevou ao segundo nível mais alto seu alerta nacional.

Foi justamente a queima do Alcorão que motivou um ataque terrorista na semana passada em Bruxelas. Em vídeo publicado na internet, o agressor se identificou como Abdesalem Al Guilani e disse ter se inspirado no EI, que mais tarde confirmou a filiação. Ele fez referência aos protestos ao dizer que o Alcorão é “uma linha vermelha” pela qual estaria “pronto para se sacrificar.”

O terrorista usou um rifle para matar dois cidadãos suecos que estavam em Bruxelas para um jogo de futebol entre a seleções belga e sueca. Uma das vítimas inclusive vestia a camisa de jogo da Suécia, o que aparentemente ajudou o agressor a identificá-lo.

França também foi palco de um atentado recentemente, bem como de uma série de ameaças de bomba. No dia 13 de outubro, um jovem de 20 anos usou uma faca para assassinar uma professora em Arras, cidade do norte francês. Em vídeo gravado antes do ataque, ele fez breve referência ao conflito no Oriente Médio e disse agir em nome do EI.

Além do ataque, a França tem sido alvo de ameaças de bomba falsas. O Palácio de Versalhes, em um subúrbio de Paris, foi evacuado duas vezes, com centenas de visitantes forçados a deixar o local. O mesmo aconteceu no Museu do Louvre, que recebe cerca de 30 mil visitantes por dia e teve que fechar as portas devido a um falso aviso de atentado terrorista.

Alertas falsos foram igualmente responsáveis pelo fechamento de 15 aeroportos em todo o país, com 130 voos cancelados até sexta-feira (20), segundo a rede Voice of America (VOA). Devido às ameaças não confirmadas, o ministro do Interior Gerald Darmanin disse na quinta-feira (19) que 18 pessoas foram detidas, a maioria menores de idade.

Por que isso importa?

Embora as ações antiterrorismo globais tenham enfraquecido os dois principais grupos jihadistas do mundo, EI e Al-Qaeda, ambos conseguem se manter relevantes e atuantes. A estratégia dessas duas organizações inclui o recrutamento de novos seguidores através da internet e a forte presença em zonas de conflito como a África, onde são representadas por grupos afiliados regionais. O Afeganistão, agora sob o comando do Taleban, também é um porto seguro para muitos jihadistas.

O continente africano ganhou importância em meio às derrotas impostas às grandes organizações jihadistas em outras regiões, caso do Oriente Médio. Em 2017, o exército iraquiano anunciou a derrota do EI no Iraque, com a retomada de todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. O EI, que chegou a controlar um terço do país, hoje mantém por lá apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas do grupo na Síria.

Em fevereiro do ano passado, o EI sofreu um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, líder da facção. Em outubro, o próprio grupo revelou que Abu al-Hassan al-Hashimi al-Qurashi, sucessor de Abu Ibrahim, também foi morto. Um terceiro líder do grupo, Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, foi morto em abril de 2023.

No caso da Al-Qaeda, que igualmente mantém facções relevantes na África, a sobrevivência do grupo pode ser explicada também pela tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU divulgado no final de maio do ano passado.

“A Al-Qaeda permanece no sul e leste do Afeganistão, onde tem uma presença histórica”, diz o relatório. “O grupo supostamente tem de 180 a 400 combatentes, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo”, prossegue o documento, que cita cidadãos de Bangladesh, Índia, Mianmar e Paquistão como sendo integrantes da facção.

O ex-líder da organização Ayman al-Zawahri, inclusive, foi morto em território afegão em um ataque das forças armadas dos EUA no dia 1º de agosto de 2022.

Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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