Americano que passou pelo Brasil antes de se unir ao EI é condenado a 20 anos de prisão

Emraan Ali deixou Trinidad e Tobago em 2015, e o território brasileiro fez parte da rota para ele chegar à Turquia e depois à Síria

A Justiça dos EUA condenou a 20 anos de prisão o cidadão norte-americano Emraan Ali, acusado de se mudar para a Síria com a família para servir ao Estado Islâmico (EI). O homem de 55 anos, que passou pelo Brasil antes de se unir o grupo terrorista, vinha sendo julgado em Miami desde o ano passado, e somente agora a sentença foi divulgada. As informações são da rede ABC News.

Ali nasceu em Trinidad e Tobago e tinha também a cidadania americana. Ele vivia no Estado da Flórida, onde tinha diversas propriedades, antes de retornar ao país natal, de onde iniciou em 2015 a jornada rumo à Síria.

Durante o trajeto, o homem passou pelo Brasil e então seguiu rumo à Turquia, onde conseguiu cruzar a fronteira e entrar na Síria. Ele mentiu aos cinco filhos e ao enteado dizendo que a família estava em viagem de férias, quando o objetivo na verdade era jurar lealdade ao EI.

Em território sírio, Ali recebeu treinamento militar e religioso junto de outros indivíduos fluentes em inglês, formando o “batalhão Anwar al-Awlaki”. De acordo com informações constantes do processo judicial, a preparação incluiu treino com armamento pesado, como o fuzil de assalto russo AK-47.

Depois de adoecer, o acusado deixou de atuar como combatente e passou a trabalhar com vendas, de forma a arrecadar dinheiro para o EI. Segundo o jornal trinitino Newsday, Ali e um compatriota, Eddie Aleong, chegaram a ser sancionados pelo Tesouro dos EUA pela atuação como tesoureiros do grupo extremista.

O terrorista e um dos filhos dele, Jihad Ali, de 22 anos, foram detidos pelas Forças Democráticas Sírias (FDS) em março de 2019, quando a milícia apoiada por Washington derrotou o EI no país árabe. Então, ambos foram entregues ao FBI, a polícia federal norte-americana. O filho, também julgado, foi condenado a cinco anos de prisão.

Integrantes dos exércitos dos EUA e do Iraque exibem bandeira do Estado Islâmico (Foto: Flickr)
Por que isso importa?

Embora ainda seja relevante no cenário extremista global, o EI tem se enfraquecido financeira e militarmente. Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que ela dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos, quase sempre focados em agentes do governo. Já as FDS, uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela organização extremista na Síria.

Em fevereiro deste ano, o grupo sofreu mais um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, principal líder da facção. Durante uma operação antiterrorismo dos EUA na Síria, ele explodiu uma bomba que carregava junto ao corpo, matando também mulheres e crianças que o acompanhavam. Já o sucessor dele, Abu al-Hassan al-Hashemi al-Qurashi, foi morto em novembro, segundo anunciou o próprio grupo.

De acordo com um relatório do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) publicado em fevereiro de 2022, as perdas territoriais e de pessoal transformaram o EI, que antes controlava boas partes da Síria e do Iraque, em “uma insurgência principalmente rural, resistindo à pressão antiterrorista sustentada pelas forças da região”.

A pandemia também continua a ser um desafio, pois impede as “viagens transfronteiriças, diminuindo as ameaças decorrentes de fluxos de combatentes em zonas de conflito e viagens terroristas mais amplas em zonas de não conflito”. Por outro lado, a estagnação do terrorismo em meio à onda de Covid-19 aumenta as “oportunidades de recrutamento e radicalização online”, criando a perspectiva de uma retomada futura das ações extremistas globais.

Outro risco que o grupo oferece é a presença de milhares de ex-combatentes em prisões e campos de deslocados em várias partes do mundo. Devolvê-los a seus países de origem e processá-los judicialmente é um desafio para os Estados-Membros da ONU, e os estabelecimentos que abrigam os extremistas são um potencial alvo de ataques para o EI. Exatamente como ocorreu na prisão de Ghwayran, na cidade de al-Hasakah, na Síria, invadida pelo grupo com a meta de libertar seguidores.

“Devido à capacidade severamente degradada, a sobrevivência futura do EI depende de sua capacidade de reabastecer as fileiras por meio de tentativas mal concebidas, como o ataque a Hasakah”, afirmou o major-general norte-americano John W. Brennan Jr., comandante da força de coalização liderada pelos EUA para combater o EI. Segundo ele, a ação na prisão síria gerou enorme prejuízo ao grupo terrorista, que “sentenciou à morte muitos dos seus que participaram deste ataque”.

Atualmente, o principal reduto do EI é o continente africano, onde consegue se manter relevante graças ao recrutamento online e à ação de grupos afiliados regionais. A expansão do grupo em muitas regiões da África desde o início de 2021 é alarmante e pode marcar sua retomada de força. No Sudeste Asiático, ao contrário, os países da região têm obtido sucesso significativo em interromper o terrorismo de facções afiliadas.

No Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), os recentes anúncios do Tesouro causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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