Empresa dos EUA contrata uigures em sistema classificado como trabalho forçado

Universal Eletronics admite empregar quase 400 uigures, que trabalham em regime de segregação e sob constante vigilância policial dentro da fábrica

A Universal Eletronics Inc. (UEI), empresa norte-americana que fabrica controles remotos para algumas das gigantes da tecnologia global, admite ter firmado um acordo com o governo da província de Xinjiang, na China, para empregar cerca de 400 pessoas da etnia uigur. É o primeiro caso de uma companhia dos EUA suspeita de ligação com um sistema laboral que grupos humanitários classificam como trabalho forçado. As informações são da agência Reuters.

O acordo prevê que os uigures sejam transportados desde Xinjiang até a fábrica da UEI, na província de Guangxi . Ao menos uma vez esse transporte foi feito em voos pagos por autoridades chinesas, que providenciaram também escolta policial para os trabalhadores. Questionada, a empresa admitiu empregar 365 uigures, mas negou as acusações de trabalho forçado e disse que os funcionários uigures recebem o mesmo tratamento que todos os demais.

Por outro lado, a UEI informou que é responsável pelo transporte desde o aeroporto ou a estação ferroviária até a fábrica. Porém, não sabe em quais condições os uigures são treinados na província de Xinjiang, nem como são transportados de lá até Guangxi.

Autoridades locais haviam confirmado anteriormente esse tipo de processo, em que ocorrem transferências de trabalhadores para fora de Xinjiang, destacando que o processo é voluntário. “Existem muitas indústrias de mão-de-obra intensiva que se adaptam às habilidades das pessoas em Xinjiang”, disse Xu Guixiang, porta-voz do governo provincial. “Eles vão aonde o mercado precisa deles”.

Universal Electronics admite ter contratado trabalhadores da etnia uigur (Foto: reprodução/site oficial)

Segregação e vigilância

Dentro das fábricas da UEI, certas circunstâncias são compatíveis com trabalho forçado. Por exemplo, os uigures trabalham, comem e dormem em ambientes segregados, e durante o período em que estão na fábrica recebem constante vigilância policial.

A questão salarial também indica irregularidades, pois os pagamentos são supervisionados por terceiros, criando a possibilidade de desvio de parte do salário que deveria ser integralmente do funcionário. Registros indicam que os uigures recebem 3 mil yuans (R$ 2,56 mil) por mês na UEI, enquanto a média salarial provincial é de 3,72 mil yuans (R$ 3,17 mil).

“Os trabalhadores uigures são os mais convenientes para as empresas”, diz um agente de recrutamento que preferiu não se identificar. Ele confirma as condições de trabalho na fábrica e afirma que todo o processo de contratação é “administrado pelo governo”.

A denúncia respingou em gigantes da tecnologia que compram produtos da UEI. A Sony prometeu adotar as “medidas adequadas, incluindo a solicitação de implementação de ações corretivas e encerramento de negócios com tal fornecedor”. Já a Microsoft informou que não mantém relação comercial com UEI desde 2016, enquanto a Samsung limitou-se a dizer que proíbe seus fornecedores de usarem trabalho forçado. A LG não se manifestou.

Lista de restrições

Em julho, os Estados Unidos acrescentaram 14 empresas chinesas à sua lista de restrições de comércio, sob a alegação de estarem associadas aos abusos cometidos contra a minoria uigur. O Departamento de Comércio alega que as empresas “permitiram a campanha de repressão, detenção em massa e vigilância de alta tecnologia de Beijing contra uigures, cazaques e membros de outros grupos minoritários muçulmanos” na província chinesa de Xinjiang.

A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país.

Por que isso importa?

A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses.

Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014. O governo chinês admite a existência de tais campos, que abrigam mais de um milhão de pessoas, mas alega que eles servem para educação contraterrorismo.

O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.

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