Rússia recusa proposta dos EUA para retomar diálogo sobre controle nuclear: ‘Indecente’

Moscou associa retomada do diálogo ao fim do apoio ocidental a Kiev e diz que Washington tem razão ao temer o arsenal russo

A proposta norte-americana de retomar as conversas sobre o controle de armas nucleares foi prontamente rejeitada pela Rússia. O ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, afirmou na quinta-feira (18) que qualquer diálogo com Washington nesse sentido só será viável se os EUA deixarem de apoiar a Ucrânia na guerra. As informações são da agência Al Jazeera.

“No meio de uma ‘guerra híbrida’ travada por Washington contra a Rússia, não vemos qualquer base, não apenas para quaisquer medidas conjuntas adicionais na esfera do controle de armas e redução de riscos estratégicos, mas para qualquer discussão de questões de estabilidade estratégica com o EUA”, disse ele.

Lavrov, então, impôs as condições para voltar a negociar com Washington. “Associamos firmemente essa possibilidade à renúncia total do Ocidente ao seu curso malicioso que visa minar a segurança e os interesses da Rússia”, declarou, em referência ao suporte militar que tem sido dado à Ucrânia.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, (Foto: ONU/Flickr)

Segundo o ministro, a única motivação norte-americana para dialogar com Moscou é ganhar acesso às instalações militares russas para fiscalizá-las e assim “tentar estabelecer o controle sobre o nosso arsenal nuclear, minimizando os riscos nucleares para si próprio”. Ele classificou tal situação como “indecente”.

No entanto, em vez de refutar essa suposta apreensão norte-americana, ele a justificou, sugerindo que o temor de um ataque nuclear russo é válido e “surge como resultado de uma forte pressão sobre o nosso país.”

Lavrov aproveitou para citar, no mesmo contexto, os recentes ataques ucranianos contra o território russo, episódios que têm se intensificado em meio à contraofensiva de Kiev na guerra. E acusou o Ocidente de estimular as hostilidades da Ucrânia, assegurando na sequência que, ainda assim, a Rússia alcançará seus objetivos na guerra.

“Tal encorajamento e a transferência de armas relevantes mostram que o Ocidente não quer qualquer solução construtiva”, afirmou a autoridade. “O Ocidente está impulsionando a escalada da crise ucraniana e isso levanta novos riscos estratégicos.”

Ameaça nuclear russa

Moscou vem reduzindo cada vez mais a moderação no que diz respeito a seu arsenal nuclear, e o “não” à proposta dos EUA é apenas mais uma etapa desse processo. Um medida drástica foi adotada em outubro de 2023, quando o parlamento russo revogou a ratificação do Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT, da sigla em inglês).

O Kremlin justificou sua decisão argumentando que Washington também não havia ratificado o CTBT, embora o tenha assinado. “Lamentavelmente, não há indicações visíveis de que os EUA irão seguir este caminho (a ratificação do tratado). Por isso, não temos outra escolha que não equilibrar a nossa posição”, disse na ocasião o vice-ministro das Relações Exteriores, Sergei Ryabkov.

Logo após abandonar o pacto, a Rússia simulou um ataque com armas de destruição em massa, manobra que foi supervisionada pelo presidente Vladimir Putin por videoconferência. De acordo com o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, o objetivo foi simular “um ataque nuclear massivo com forças ofensivas estratégicas em resposta a um ataque nuclear do inimigo.”

Por que isso importa?

Estudo publicado em junho do ano passado pelo think tank sueco Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI na sigla em inglês) alertou que a ameaça nuclear global aumentou consideravelmente entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, com uma quantidade maior de ogivas à disposição das forças armadas das grandes potências.

Em janeiro do ano passado, o estoque global total ogivas era de 12.512, sendo que 9.576 estavam em estoques militares para uso potencial. Trata-se de um aumento de 86 ogivas operacionais em relação ao que se registrava em janeiro de 2022, indicando uma maior prontidão das grandes potências para um eventual ataque.

Dessas mais de 9,5 mil ogivas, 3.844 foram implantadas em mísseis e aeronaves. Já outras duas mil, quase todas pertencentes a Rússia ou EUA, são mantidas em alerta operacional máximo, o que significa que estão instaladas em mísseis ou mantidas em bases aéreas que hospedam bombardeiros nucleares.

O estudo mostra que Moscou e Washington continuam na liderança absoluta do ranking nuclear, com 90% de todas as ogivas do mundo. Os EUA tinham, em janeiro, 5.244 ogivas, sendo 1.938 instaladas em mísseis ou posicionadas em bases com forças militares operacionais. Outras 3.708 estariam armazenadas, exigindo algum trabalho para serem utilizadas, além de 1.536 aposentadas. No caso da Rússia, seriam 5.889 no total, sendo 1.674 ativas, 2.815 armazenadas e 1.400 aposentadas.

Segundo o estudo do SIPRI, a China já havia aumentado seu arsenal de 350 para 410 ogivas até janeiro de 2023, todas elas armazenadas. Recentemente, porém, o Pentágono afirmou que já são cerca de 500 as ogivas chinesas, e Beijing tem investido na construção de silos de mísseis que poderiam ser usados por artefatos com capacidade nuclear.

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