STJ decide manter prisão preventiva de espião russo que se fazia passar por cidadão brasileiro

Sergey Vladimirovich Cherkasov usava identidade brasileira falsa para servir à inteligência de Moscou e foi preso em São Paulo em abril de 2022

A ministra Maria Thereza de Assis Moura, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), indeferiu na quinta-feira (20) o pedido de liberdade apresentado pela defesa do cidadão russo Sergey Vladimirovich Cherkasov. Ele está atualmente em prisão preventiva no Brasil, acusado de usar uma identidade brasileira para viabilizar sua atuação como espião a serviço da inteligência de Moscou.

A defesa entrou com pedido de liminar em habeas corpus, sob a alegação de que o tempo da prisão é excessivo, pois ultrapassa 460 dias e ele não representa risco à sociedade. Cherkasov foi condenado por falsidade ideológica e aguarda julgamento da apelação no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).

Ao indeferir o pedido, a ministra afirmou que as alegações da defesa devem ser analisadas somente no julgamento do habeas corpus, não comportando, portanto, liminar.

“Na hipótese, não há falar em manifesto constrangimento ilegal decorrente de excesso de prazo na formação da culpa, haja vista inexistir desídia aparente do juízo de origem na condução do feito, estando o processo em sua regular tramitação”, diz a decisão.

O russo Sergey Vladimirovich Cherkasov, que usava a falsa identidade brasileira de Victor Muller Ferreira: suspeito de ser um espião russo (Foto: reprodução/redes sociais)
Pedido de extradição

Conforme se desenrola o processo judicial contra o russo, corre também um pedido de extradição feito por Washington. De acordo com o jornal The Washington Post, o governo norte-americano argumenta que Cherkasov passou uma temporada nos EUA supostamente como estudante estrangeiro, mas com o verdadeiro objetivo de conduzir operações de espionagem.

A tentativa norte-americana de obter a custódia surge em meio ao caso do jornalista Evan Gershkovich, preso na Rússia sob a acusação de espionagem. Com a tensão crescente entre Washington e Moscou, os dois lados parecem acumular ativos para futuras trocas de prisioneiros, e Cherkasov seria um importante ativo para tentar libertar o profissional de imprensa.

Embora negue que Cherkasov seja um agente de inteligência, Moscou também trabalha para colocar as mãos nele. Para tanto, argumenta que existe na Justiça russa um mandado de prisão por lavagem de dinheiro.

No que depender de Cherkasov, a extradição para a Rússia surge como uma opção mais interessante, embora a possível pena por lá seja superior aos 15 anos que cumpre na Penitenciária Federal de Brasília por falsidade ideológica.

O advogado do russo, no início do processo de primeira instância, chegou a pedir que o cliente fosse transferido da Polícia Federal (PF) em São Paulo, onde estava detido, para o Consulado da Rússia. Ele ficaria detido ali sob a promessa de comparecer aos procedimentos legais estabelecidos, mas a justiça brasileira recusou o pedido.

A situação lembra a do empresário russo Artem Uss, preso em outubro de 2022 na Itália a pedido da justiça norte-americana. Na ocasião, um tribunal de Moscou emitiu um mandado de prisão que mais tarde mostrou-se fajuto. A medida visava a impedir a extradição para os EUA recém-aprovada por uma corte de Milão. Mais tarde, Uss fugiu das autoridades italianas e hoje está de volta à Rússia.

A história do espião

Cherkasov, então identificado como Victor Muller Ferreira, chegou ao aeroporto de Guarulhos no dia 2 de abril de 2022, proveniente de Amsterdã, na Holanda. A entrada dele no país europeu havia sido vetada por irregularidades com a documentação. Detido no desembarque em São Paulo, teve a prisão preventiva decretada no dia seguinte pela Justiça brasileira, acusado de falsidade ideológica por portar documentos com dados falsos.

Àquela altura, as autoridades do Brasil já sabiam que o indivíduo em questão era na verdade um espião russo. Ele assumiu a identidade falsa provavelmente em 2011, quando existe o último registro de entrada de Cherkasov no Brasil, mas nenhum registro de saída. No período em que esteve aqui, regularizou toda a situação documental. Tinha carteira nacional de habilitação (CNH), cédula de identidade, certificado de dispensa militar e dois passaportes brasileiros.

Uma das inconsistências na falsa identidade criada pelo espião russo está relacionada à suposta mãe, Juraci Eliza Muller. Ela é de fato uma cidadã brasileira falecida, mas parentes dizem que jamais teve filhos. Tal informação também não consta da certidão de óbito da “mãe”, que Victor carregava com ele quando foi preso. É comum, porém, que tal documento indique se a pessoa morta deixou herdeiros.

Em seu depoimento, o homem detido em Guarulhos disse que Juraci morreu quando ele tinha dois anos e que, por isso, não tinha lembrança dela. Diz que deixou o Brasil rumo à Argentina com dois anos e lá foi criado por uma tia-avó, identificada como Pilar Palácio.

A polícia do Brasil estranhou o fato de o homem não carregar nenhum documento argentino, embora tenha dito que viveu no país sul-americano por cerca de 20 anos. Por outro lado, carregava diversos documentos brasileiros e também irlandeses e norte-americanos, de quando viveu e estudou nesses dois países.

A CNH igualmente ajudou a derrubar o disfarce. O documento de posse de Victor no desembarque em Guarulhos exibia uma foto dele mesmo. Já no sistema do governo brasileiro, a foto tirada quando o documento original foi expedido é de uma pessoa diferente. Há, nesse caso, duas hipóteses: o espião assumiu a identidade de outro brasileiro ou uma terceira pessoa fez o pedido da CNH em nome de Victor Muller Ferreira.

Quando foi barrado na Holanda, o espião se dirigia ao país para cumprir um contrato de estágio no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia. Ali, a provável missão era acessar informações de interesse de Moscou, que na ocasião já havia iniciado a guerra na Ucrânia e por isso estava na mira da corte, que mais tarde emitiu um mandado de prisão contra o presidente Vladimir Putin por crimes de guerra.

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