‘Ultrajante’, diz chefe do FBI sobre centros de polícia geridos por Beijing no exterior

As estações, uma delas em Nova York, são suspeitas de ajudar o governo chinês a perseguir e até repatriar dissidentes à força

A recente denúncia de que a China gerencia “centros de serviço da polícia no exterior”, os quais serviriam aos interesses de Beijing para perseguir e até repatriar à força dissidentes, repercutiu também nos Estados Unidos. Embora não tenham sido relatados episódios de repressão, uma dessas estações funciona em Nova York, o que gerou críticas de Christopher Wray, diretor o FBI, a polícia federal norte-americana. As informações são da agência Reuters.

“Estou muito preocupado com isso. Estamos cientes da existência dessas estações”, disse Wray em uma audiência do Comitê de Segurança Interna e Assuntos Governamentais do Senado dos EUA. “Para mim, é ultrajante pensar que a polícia chinesa tentaria se estabelecer, sabe, em Nova York, digamos, sem a devida coordenação. Isso viola a soberania e contorna os processos de cooperação judicial e policial padrão”.

Christopher Wray, diretor do FBI: atento à repressão chinesa aos dissidentes (Foto: divulgação)

A existência dos “centros de serviço da polícia no exterior” foi revelada em um relatório publicado em setembro pela ONG de direitos humanos Safeguard Defenders. Ao menos 54 dessas estações estariam em funcionamento em todo o mundo, usadas para assediar cidadãos chineses em países estrangeiros. Desde então, de acordo com a entidade, 14 países passaram a investigar a prática, com ao menos duas delas, na Holanda e na Irlanda, ordenadas a encerrar as atividades.

Os centros foram originalmente criados como associações comunitárias de cidadãos de uma mesma região chinesa e forneciam apoio administrativo a turistas e imigrantes, como por exemplo para a confecção de documentos. Com o tempo, porém, passaram a ser usados para reprimir dissidentes e cidadãos chineses acusados de crimes em seu país.

“Embora muitas vezes forneçam serviços genuínos à comunidade, agora se tornaram esmagadoramente cooptados pelas organizações da Frente Unida do PCC (Partido Comunista Chinês), que buscam controlar cada vez mais a diáspora chinesa“, diz a ONG.

Na maioria dos casos, esses centros de serviços somente operam um sistema online que coloca o cidadão chinês em contato com as autoridades na China. Porém, há casos registrados de envolvimento ativo das estações no rastreamento e na perseguição de alvos em países estrangeiros. Os indivíduos são muitas vezes convencidos, sob pressão, a retornar ao território chinês para enfrentar a justiça local.

Dados da ONG apontam que, entre abril de 2021 e julho de 2022, 230 mil chineses “foram devolvidos para enfrentar possíveis acusações criminais na China por meio desses métodos, que geralmente incluem ameaças e assédio contra membros da família em casa ou diretamente contra o alvo no exterior, seja por meio online ou físico”. Para todos os efeitos, o governo chinês alega que os repatriados são acusados de algum crime.

Inclusive, dois centros operam o Brasil, sendo um em São Paulo e o outro no Rio de Janeiro. Entretanto, a Safeguard Defenders afirma que não há registro de assédio contra chineses nessas estações, que aparentemente vêm sendo usadas somente para dar apoio administrativo a turistas e imigrantes.

Já nos Estados Unidos, uma investigação foi aberta para analisar a operação do centro de serviço de Nova York. Segundo Wray, o FBI está “analisando os parâmetros legais” antes de tomar uma decisão sobre o que fazer com a estação mantida por Beijing em Nova York.

Membros do Partido Republicano na Câmara dos Representantes dos EUA chegaram a enviar uma carta ao presidente Joe Biden questionando-o sobre as medidas que estavam sendo adotadas para solucionar o problema.

Atleta perseguida

Embora não haja relatos de casos de assédio envolvendo o centro de serviços nova-iorquino, Washington há algum tempo tem acusado Beijing de assediar perseguir, chantagear e vigiar pessoas que vivem nos EUA e contestam o regime de Xi Jinping.

“É um problema real e algo sobre o qual estamos conversando com nossos parceiros estrangeiros também, porque não somos o único país onde isso ocorreu”, disse Wray.

Um dos alvos desse esquema teria sido a patinadora olímpica norte-americana Alysa Liu e o pai dela, Arthur Liu, um ex-refugiado político chinês. Ambos teriam sido alvo de uma operação de espionagem coordenada por Beijing, segundo o Departamento de Justiça dos EUA.

A ação teria sido executada por agentes acusados de perseguir e sufocar críticas anti-Beijing feitas por ativistas chineses em território norte-americano. No início deste ano, cinco homens foram presos acusados de participar do esquema a serviço do governo da China.

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