Putin aponta suas armas nucleares contra a Otan: é hora de responder

Artigo cobra uma reação dura do Ocidente após a decisão agressiva de Moscou de mover armas nucleares para Belarus

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site do think tank Center for European Policy Analysis (CEPA)

Por Chels Michta

O presidente Alexander Lukashenko, de Belarus, anunciou em junho que a Rússia havia começado a entregar armas nucleares táticas a seu país, vangloriando-se em entrevista ao canal de televisão Rússia-1 de que as cargas eram “três vezes mais poderosas” do que as bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945. 

Embora a implantação não mude o equilíbrio nuclear geral entre os Estados Unidos e a Rússia, é um movimento escalador significativo do Kremlin. É a primeira vez desde o fim da Guerra Fria que dispositivos nucleares russos são baseados fora de seu território. A Rússia manterá o controle sobre as armas. 

Embora Vladimir Putin tenha enquadrado o desdobramento como uma resposta à presença de armas nucleares dos EUA em várias bases da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na Europa (estas chegaram pela primeira vez na década de 1950), a mensagem implícita não poderia ter sido mais clara: a Rússia estava aumentando sua ameaça nuclear em resposta ao contínuo apoio do Ocidente à Ucrânia.

Os Estados Unidos não alteraram sua postura nuclear em resposta, limitando-se até agora à crítica pública da decisão. Ainda assim, não há como negar que, ao mover armas nucleares de curto alcance para Belarus, o Kremlin está pressionando justamente na área de maior preocupação entre os aliados, ou seja, o risco de que a escalada vertical leve à guerra nuclear.

As ações da Rússia devem servir como um lembrete de que, embora Belarus permaneça nominalmente independente, é, para todos os efeitos práticos, parte do espaço geopolítico russo mais amplo. Putin usou o território belarusso para atacar diretamente a Ucrânia, recuperar e reparar equipamentos russos danificados, fornecer apoio logístico e médico para suas operações na Ucrânia e agora como moeda de troca em seu jogo nuclear contra o Ocidente. O objetivo de Putin é forçar o Ocidente a ceder à chantagem nuclear e reduzir seu apoio à Ucrânia. Os EUA e a Otan devem decidir como responder e, em última análise, como adaptar a postura de dissuasão da aliança para lidar com a ameaça. 

Míssil russo com capacidade nuclear (Foto: reprodução/Facebook)

A implantação de armas nucleares de curto alcance em Belarus também tem uma dimensão regional, pois o país faz fronteira com três nações da Otan:  PolôniaLetônia e Lituânia. Todos registraram preocupação com essa escalada, com a Polônia pedindo para ingressar no programa de compartilhamento nuclear da Otan. (A questão foi levantada pela primeira vez pelo presidente polonês Andrzej Duda no outono passado e reiterada pelo primeiro-ministro Mateusz Morawiecki após o envio de armas nucleares de curto alcance pela Rússia para Belarus Rússia em julho, com Varsóvia argumentando que seus F-35 atualmente encomendados poderiam ser adaptado para transportar armas nucleares).

Embora seja improvável que isso aconteça tão cedo, o pedido indicava a crescente preocupação entre os aliados da linha de frente sobre a expansão da ameaça nuclear da Rússia. Os aliados do flanco oriental da Otan veem a implantação de armas nucleares russas de curto alcance em Belarus como consequência lógica da decisão de Putin em dezembro de 2022 de fornecer a Belarus o sistema de mísseis Iskander SS-26, com ogivas nucleares táticas agora atribuídas a cada míssil operado em Belarus pelos militares russos.

Os lançadores que foram transferidos para Belarus antes do envio das ogivas são os mesmos usados ​​pelas forças russas (com alcance de 400 a 500 km). Cada lançador carrega dois mísseis, ao contrário da versão de exportação de menor alcance do Iskander, que carrega um míssil por lançador.

Esta é outra indicação de que, ao instalar os lançadores mais capazes em Belarus, o Kremlin pretende maximizar o efeito de chantagem. O mesmo se aplica às quatro aeronaves de combate multimissão Su-30SM que a Rússia enviou a Belarus como primeira parcela de um contrato para 12 aeronaves – os Su-30SM têm capacidade nuclear e supostamente têm as mesmas características das aeronaves usadas pela força aérea russa. Também há relatos de que a frota existente de aeronaves Su-25 belarussas será adaptada para transportar armas nucleares.

O estacionamento de armas nucleares táticas em Belarus significa um desdobramento maior da força russa naquele país para proteger e operar a instalação de armazenamento de mísseis; com efeito, a decisão é sinônimo da guarnição de mais tropas russas em Belarus, ressaltando a integração cada vez mais profunda das forças armadas belarussas no sistema de comando e controle da Rússia. A implantação aumenta significativamente a área que as armas nucleares táticas russas podem atingir, complementando a implantação nuclear da Rússia no enclave de Kaliningrado. Com efeito, esses dois locais colocam todos os países de flanco dentro do alcance, complicando a dissuasão e o planejamento de defesa do lado da Otan e exigindo uma resposta ocidental. 

Encontro entre Lukashenko e Putin em 2015: Otan sob pressão (Foto: Wikimedia Commons)

A ousadia nuclear da Rússia também marca a clara afirmação da posição independente de Moscou em relação a Beijing quando se trata da ameaça de usar armas nucleares, já que a China afirmou repetidamente que não quer que armas nucleares sejam usadas em qualquer lugar da Eurásia. Isso não significa que a decisão russa irá prejudicar a parceria Rússia-China, mas mostra os limites dessa “amizade sem limites” bilateral. O alinhamento sino-russo não se baseia em um determinado sentimento ou conjunto de valores, mas sim no princípio de que “o inimigo do meu inimigo é meu amigo” que sustenta a política de poder desnudada. 

A transferência de armas nucleares para Belarus sinaliza o reforço do controle político e militar do Kremlin sobre o país e uma maior subordinação das forças armadas de Lukashenko e seu aparato de segurança à Rússia. É também um indicador do que Putin faria caso conseguisse subjugar a Ucrânia – se vitoriosa, a Rússia provavelmente colocaria armas nucleares adicionais de curto alcance lá também, para atingir e ameaçar os países da Otan.

Se os Estados Unidos e a Otan não responderem, por exemplo, expandindo o programa de compartilhamento nuclear, ou pelo menos renunciando ao fracassado Ato de Fundação Otan-Rússia de 1997 que a Rússia violou repetidamente, Putin lerá isso como outro sinal de ambivalência, concluindo que a Otan tem pouco apetite para assumir riscos neste confronto.

Isso encorajará mais aventureirismo russo ao longo do flanco oriental e potencialmente desencadeará um confronto ainda mais perigoso com o Ocidente. Em suma, a Otan deve pesar cuidadosamente os custos políticos de não fornecer uma resposta forte a esta última tentativa russa de chantagem nuclear.   

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