Exílio de Prigozhin em Belarus fortalece posição militar da Rússia e põe a Otan contra a parede

Mercenários que deixaram a Rússia vão trabalhar para fortalecer as defesas belarussas, que são a última barreira entre Moscou e o Ocidente

À primeira vista, o perdão concedido a Evgeny Prigozhin após o motim do último final de semana na Rússia desponta como uma dura derrota para o presidente russo Vladimir Putin. A médio prazo, porém, o exílio do empresário e de alguns de seus mercenários em Belarus, base do acordo costurado pelo presidente belarusso Alexander Lukashenko, tende a favorecer Moscou ao fortalecer sua posição militar contra a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que desde já tem as costas contra a parede.

Prigozhin já chegou a Belarus, que em breve deve entregar a ele novas instalações para abrigar os combatentes. Na segunda-feira (26), o empresário disse que Lukashenko ofereceu ao Wagner, ou ao que restou dele, a oportunidade de atuar no território belarusso sob “uma jurisdição legal”, segundo relatou a rede CNN.

Lukashenko, por sua vez, deixou claro que tem planos para a força paramilitar à qual concedeu abrigo. “Eu poderia usar tal unidade no exército”, afirmou o presidente de Belarus no início desta semana, em reunião com o Ministério da Defesa do país.

Lukashenko entre as bandeiras de Belarus e Rússia (Foto: kremlin.ru/WikiCommons)

Nesse sentido, os legisladores belarussos ratificaram na quarta-feira (28) um acordo para permitir a instalação de “centros de treinamento de combate” no país. A ideia é dar aos mercenários uma sede com 1.780 beliches de quatro camas e 400 banheiros, espaço capaz de abrigar cerca de oito mil soldados.

Minsk inclusive já teria começado a construir essas instalações. De acordo com o jornal independente The Moscow Times, estão em andamento obras em um complexo militar perto da cidade de Asipovichy, cerca de cem quilômetros a sudeste de Minsk.

Se tiver liberdade de atuação em Belarus como tinha na Rússia, Prigozhin pode reconstruir a organização paramilitar, usando sua influência e seus contatos para obter armas e homens. Nos últimos meses, com a Rússia afogada em sanções que dificultam seu acesso a tecnologia militar, foi aparentemente o Wagner que melhor conseguiu contornar o problema.

Em maio, o Departamento de Estado norte-americano acusou a organização de tentar usar o território do Mali para transportar armas que seriam usadas na guerra da Ucrânia. Embora não haja provas de que as armas tenham sido efetivamente transportadas, há indícios de que os mercenários usariam documentos falsos para driblar a fiscalização e assim obter drones, minas terrestres, radares e até sistemas de defesa antiaérea.

Outra fonte de recursos militares do Wagner vinha sendo a Coreia do Norte. John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, afirmou em dezembro do ano passado que Prigozhin era o encarregado de buscar um fornecedor de armamento, e Pyongyang surgiu como alternativa.

O regime de Kim Jong-un chegou a oferecer inclusive cem mil soldados às tropas russas, conforme revelou em agosto do ano passado o portal Business Insider. Se Prigozhin e Lukashenko estiverem mais dispostos a aceitar a oferta do que Putin esteve, o Wagner e o exército belarussos teriam na Coreia do Norte uma fonte complementar de mão de obra.

Haveria ainda uma segunda função para os mercenários em Belarus, além da de atuarem como uma força paramilitar complementar ao exército. Poderiam treinar os soldados regulares belarussos, como fazem na África e no Oriente Médio.

Anton Gerashchenko, assessor do ministro de Assuntos Internos da Ucrânia, publicou no Twitter um vídeo de um suposto integrante do Wagner que sugere justamente isso.

O homem compara a estada em Belarus às que o grupo teve na Síria, na Líbia e na República Centro-Africana. Nessas nações, o Wagner serviu oficialmente para fornecer instrutores militares às forças armadas, embora tenha atuado diretamente em conflitos e operações de contraterrorismo. Tal cenário poderia se repetir no quintal de Lukashenko.

Belarus x Otan

Mas, afinal, qual benefício esse cenário oferece a Moscou? Belarus é um aliado de primeira linha da Rússia, e é crucial para Putin que Lukashenko tenha forças armadas bem preparadas. Tal necessidade se explica pela posição geográfica do território belarusso, que faz divisa com três países da Otan: Polônia, Letônia e Lituânia. Trata-se, portanto de uma barreira crucial entre o território russo e a aliança militar transatlântica.

A presença de Prigozhin em Minsk já preocupa a Otan, segundo a agência Al Jazeera. “Se o Wagner enviar seus assassinos em série para Belarus, todos os países vizinhos enfrentarão um perigo ainda maior de instabilidade”, alertou Gitanas Nauseda, presidente da Lituânia.

Jens Stoltenberg, secretário-geral da aliança, advertiu Putin e Lukashenko de que está atento à situação e tem suas tropas de prontidão. “Portanto, sem mal-entendidos e sem espaço para mal-entendidos em Moscou ou Minsk sobre nossa capacidade de defender nossos aliados contra qualquer ameaça potencial”, afirmou ele, de acordo com a agência Associated Press (AP).

Repressão domestica mais forte

Para Putin, em particular, o maior prejuízo do exílio de Prigozhin e seus mercenários em Belarus é doméstico, vez que a imagem de líder intocável ficou prejudicada pelo motim do qual foi vítima. Ainda assim, o presidente pode usar a situação a seu favor, como alertou Erica Frantz, professora associada de ciência política na Universidade Michigan State, dos EUA

Na avaliação dela, passada a turbulência inicial na Rússia, Putin “provavelmente emergirá ainda mais forte em termos de ameaças internas imediatas ao seu governo.” E explicou sua posição: “Quando ditadores sobrevivem a desafios públicos como esse, eles geralmente intensificam a repressão no período seguinte e se envolvem em campanhas radicais para sinalizar sua força”, disse ela ao site Politico.

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