Após mandados de prisão, chefe de Hong Kong chama exilados de ‘ratos de rua’

John Lee não mediu palavras ao se referir aos oito indivíduos alvo de mandados de prisão emitidos pelo governo do território

“Ratos de rua”. Foi assim que o chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, se referiu aos oito exilados que na semana passada foram alvo de mandados de prisão emitidos pela Justiça do território, inclusive com direito a recompensa em dinheiro prometida a quem colaborar para a detenção deles. As informações são do site Hong Kong Free Press.

“Os oito criminosos procurados violaram a lei de segurança nacional de Hong Kong, colocaram em risco a segurança nacional e se envolveram em crimes graves”, disse Lee na terça-feira (11), em sua coletiva de imprensa semanal. “Como eu disse, todos devem tratá-los como ratos de rua e evitá-los a todo custo.”

A lei citada por Lee foi imposta por Beijing em 2000 para silenciar a dissidência em Hong Kong após os atos por democracia ocorridos no ano anterior.

Aos oito exilados foram imputados os crimes de colocar em risco a segurança nacional, conluio com governos estrangeiros e incitação à secessão. Hong Kong alega que, entre outras coisas, eles se manifestaram publicamente defendendo a imposição de sanções financeiras contra o território.

Todos os procurados vivem atualmente em países ocidentais, como EUAReino Unido e Austrália, sendo que um, o advogado e jurista Kevin Yam, tem nacionalidade australiana. A recompensa oferecida por informações que levem à prisão deles é de um milhão de dólares de Hong Kong (R$ 623 mil). 

As autoridades também fecharam o cerco contra eventuais colaboradores no âmbito doméstico, tendo inclusive prendido cinco pessoas acusadas de dar apoio aos dissidentes. A polícia afirma que os detidos usaram empresas, mídias sociais e aplicativos móveis para receber fundos destinados aos procurados.

John Lee, chefe do Executivo de Hong Kong (Foto: divulgação)

Segundo Lee, as autoridades de Hong Kong já “receberam algumas informações” sobre os exilados, sem dar maiores detalhes. Ele afirmou ainda que a caça aos indivíduos será vitalícia e que as autoridades do território “esgotarão todos os métodos” disponíveis para prendê-los.

Alguns deles, porém, não parecem fazer questão de se esconder. Yam, que vive na cidade australiana de Melbourne, se manifestou sobre os mandados de prisão e a recompensa e observou que o valor é maior que o pago pelo governo por informações sobre criminosos sexuais em fuga.

“Isso representa uma interferência ultrajante nos direitos de um cidadão australiano de se expressar livremente na Austrália sobre uma cidade na qual construiu sua carreira e pela qual ainda tem afeto”, declarou ele na semana passada.

Ted Hui, que também vive na Austrália e foi alvo de vários mandados de prisão desde sua saída de Hong Kong, em 2020, afirmou ao jornal Sydney Morning Herald que não teme pela segurança dele nem de sua família. “A recompensa não altera minha situação nem afeta minha segurança pessoal”, disse, chamando a oferta de “ridícula” e “hilária”.

Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

Tags: