Artista considera ir à justiça por monumento de Hong Kong que lembra massacre na China

"Pilar da Vergonha", obra assinada pelo dinamarquês Jens Galschiot, foi retirada em dezembro do campus da Universidade de Hong Kong, onde permaneceu por 24 anos lembrando do Massacre da Praça da Paz Celestial

O escultor dinamarquês Jens Galschiot, criador de um monumento em memória aos manifestantes pró-democracia mortos no Massacre da Praça da Paz Celestial, ocorrido na China em 1989, diz que considera mover uma ação judicial contra a Universidade de Hong Kong (HKU, da sigla em inglês). Isso porque a instituição removeu seu trabalho de lá em dezembro do ano passado, onde estava instalado há mais de duas décadas, e não devolveu ao autor. As informações são do portal Hong Kong Free Press (HKFP).

A obra, que integra uma série intitulada “Pilar da Vergonha”, também instalada no Brasil e no México, é uma estátua de oito metros que retrata o horror de um dos episódios mais espinhosos e proibidos da história chinesa recente. Ela é formada por 50 corpos empilhados, trazendo como uma de suas características mais chocantes os rostos assustados das pessoas nela representadas.

Há quase 34 anos, no dia 4 de junho, tanques do Exército de Libertação do Povo (PLA, da sigla em inglês) deram um fim brutal a protestos que vinham se estendendo por semanas em Beijing, que tiveram presença massiva de trabalhadores e estudantes contrários ao governo lutando por reformas democráticas. Os manifestantes foram vistos como uma ameaça ao domínio do Partido Comunista Chinês (PCC).

O “Pilar da Vergonha”, à época em que ainda estava exposto no campus central da Universidade de Hong Kong (Foto: WikiCommons)

O trabalho de Galschiot, que também assinou uma homenagem aos mortos no Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido no Estado do Pará em 1996, permaneceu no campus da HKU por 24 anos antes da remoção. A reitoria alegou “razões de segurança” e “riscos legais”, além de citar uma portaria que contém uma proibição da era colonial sobre “material sedicioso” (rebelde) contra o governo.

O dinamarquês relatou à reportagem do HKFP que manteve conversas por videoconferência com seus advogados em Hong Kong para discutir a possibilidade de entrar com uma ação legal contra a universidade para recuperar a estátua.

Galschiot observou que um processo judicial sairia caro tanto para ele quanto para a HKU e, sendo assim, ele espera resolver a questão sem precisar empurrar o assunto ao tribunal. Porém, observou que “é claro” que tomaria medidas legais, caso preciso. 

“Não é legal roubar arte em Hong Kong ou em qualquer parte da China”, disse. “Eles não têm esse direito”. 

Galschiot contou que, após a retirada do “Pilar da Vergonha”, fez inúmeras tentativas de se comunicar com a universidade para discutir uma maneira de reaver sua obra. Para isso, enviou até uma representante local, a diretora da ONG DEI (“nossa terra”, em cantonês) e também artista Loretta Lau. O gabinete da reitoria deu um retorno sobre o pedido no dia 7 de fevereiro. Em comunicado, a HKU disse que “o assunto está recebendo atenção”. Desde então, não houve mais atualizações.

Ele ironizou a situação: “Achei que eles ficariam felizes em se livrar da escultura. Foi um grande problema para eles”, acrescentou.

A escultura de Galschiot, doada à prefeitura de Belém, representa o Massacre de Eldorado dos Carajás (Foto: WikiCommons)

Embora Galschiot já tenha tenha dito que poderia facilmente reproduzir a obra por meio de réplicas impressas em 3D, ele considera “muito importante” recuperar sua icônica criação.

“O Pilar da Vergonha contém a história de Hong Kong”, disse ele, acrescentando que a população do território semiautônomo tinha o costume anual de deixar flores nela para lembrar da repressão de Tiananmen desde que a obra foi exibida pela primeira vez na HKU.

O artista acrescentou que, quando ele e ativistas pró-democracia de Hong Kong ergueram pela primeira vez o Pilar da Vergonha em Hong Kong, ele chegou a acreditar que “a China mudaria e um dia [a estátua] seria colocada na Praça da Paz Celestial”.

“O sonho acabou como um pesadelo para mim”, lamentou Galschiot.

A retirada da estátua do campus ocorreu em meio a esforços das autoridades de Hong Kong para silenciar as atividades alusivas ao massacre de 1989. No dia seguinte à remoção da estátua, duas outras universidades derrubaram monumentos às vítimas do massacre, o qual o número total de mortos nunca foi divulgado pelo governo chinês. Dados do governo britânico reproduzidos pela BBC falam em dez mil vítimas fatais. 

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