Autorização portuária a navio chinês pelas Maldivas intensifica tensões com a Índia

Malé descara pesquisa no porto, mas Nova Délhi suspeita que Beijing tenha interesses militares escondidos sob o manto da ciência

O governo das Maldivas concedeu na terça-feira (23) autorização para a atracação de um navio chinês em seu porto, aprofundando possíveis atritos com a Índia em meio a uma disputa diplomática. O Ministério das Relações Exteriores maldivo confirmou os relatos da mídia sobre a chegada iminente do navio de pesquisa Xiang Yang Hong 3, sem especificar a data. As informações são da agência Associated Press.

O comunicado da pasta revelou que a autorização foi concedida após um pedido diplomático da China para uma escala portuária, rotação de pessoal e reabastecimento, esclarecendo que o navio não realizará pesquisas enquanto estiver atracado em Malé. O comunicado enfatizou a tradição do país em receber embarcações de nações amigas para “propósitos pacíficos”.

A situação ocorre em meio a uma delicada disputa diplomática entre as Maldivas e a Índia, sua vizinha. O governo indiano permanece em silêncio, sem fazer comentários sobre a situação, mas em outras ocasiões contestou a presença de navios de pesquisa chineses em países vizinhos, como o Sri Lanka.

Presidente das Maldivas, Mohamed Muizzu (Foto: WikiCommons)

O argumento de Nova Délhi sempre foi o de que Beijing escondeu objetivos militares sob o manto da ciência, com tais embarcações na verdade voltadas ao rastreamento espacial, sendo capazes de monitorar lançamentos de satélites, foguetes e mísseis balísticos intercontinentais.

Os EUA concordaram com as alegações indianas e se uniram a Nova Délhi, argumentando que os navios de pesquisa na verdade servem ao Exército de Libertação Popular (ELP) da China.

Disputa diplomática

No caso das Maldivas, a controvérsia com a Índia teve início quando o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, compartilhou nas redes sociais imagens suas caminhando e mergulhando em Lakshadweep, um arquipélago de seu país que guarda semelhanças com as Maldivas.

Nova Délhi, aparentemente, vislumbra um potencial turístico ainda não explorado nas praias de areia branca de Lakshadweep, o que geraria concorrência comercial com as ilhas vizinhas e por isso adicionou um ingrediente a mais a essa intrincada questão diplomática.

A decisão de Modi de promover o turismo interno em detrimento das famosas praias e resorts das ilhas desencadeou uma controvérsia. Três ministros maldivos adjuntos não hesitaram em expressar sua desaprovação nas redes sociais, desencadeando um clamor na Índia por um boicote ao destino turístico.

A tensão atingiu um novo patamar quando o presidente das Maldivas, Mohamed Muizzu, optou por uma visita à China, rival regional da Índia. Ao retornar, o líder anunciou planos audaciosos para libertar sua nação da dependência indiana em termos de instalações de saúde, medicamentos e importação de produtos essenciais.

Dado que a Índia representa a maior fonte de turistas nas Maldivas, Muizzu não poupou palavras ao afirmar que os visitantes chineses lideravam antes da pandemia de Covid-19 e prometeu esforços concentrados para dobrar esse número. Em uma mensagem indireta à Índia, ressaltou que o tamanho reduzido de seu país não concede a qualquer nação o direito de intimidá-lo, enfatizando o respeito firme da China pela integridade territorial das Maldivas.

Índia e China competem pela influência nas Maldivas, sendo Nova Délhi considerada uma parceira histórica, enquanto Beijing busca aliados para a Nova Rota da Seda (em inglês Belt and Road Initiative, ou BRI), iniciativa de infraestrutura voltada a espalhar a influência chinesa por todo o mundo liderada pelo presidente Xi Jinping.

Pró-Beijing

O presidente pró-China Muizzu, eleito em novembro, propõe a retirada de militares indianos estacionados nas Maldivas, acusando seu antecessor de comprometer a soberania ao permitir a presença indiana no país.

Muizzu, que desbancou o ex-presidente Ibrahim Solih no segundo turno da eleição presidencial, conta com o apoio de uma coalizão com laços estreitos com Beijing. Em 2022, ele defendeu uma campanha chamada “Fora, Índia”, que visava a debandada de uma pequena unidade militar indiana.

A Índia tem 75 militares atualmente posicionados nas Maldivas. Nova Délhi justifica que eles estão lá para manter e operar dois helicópteros e uma aeronave doados ao pequeno país insular, segundo a agência Al Jazeera. Durante sua campanha eleitoral, Muizzu prometeu retirar essas tropas de lá.

Por que isso importa?

A Índia estacionou militares nas Maldivas em março de 1988, durante um evento conhecido como “Operação Cactus”. A ação ocorreu em resposta a um pedido de ajuda do governo local, que enfrentava um golpe de Estado liderado por mercenários estrangeiros.

Os países têm uma relação política e militar historicamente próxima. Nova Délhi considera Malé como parte de sua esfera de influência e tem fornecido assistência militar e de segurança ao país insular.

No entanto, a relação entre os dois países também foi marcada por momentos de tensão, especialmente quando líderes maldivos passaram a expressar preocupações sobre a presença militar indiana no país. A política externa das Maldivas muitas vezes tenta se equilibrar entre a Índia e outros atores regionais, como a China.

No geral, a relação entre a Índia e as Maldivas é complexa, com uma interação significativa em questões políticas, militares e de segurança, mas também com desafios e rivalidades ocasionais.

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