A China planeja fazer dezenas de lançamentos de aeronaves rumo ao espaço neste ano, consolidando sua posição de forte concorrente dos EUA na corrida espacial. A Casc (Corporação de Ciência e Tecnologia Aeroespacial da China, da sigla em inglês), principal empresa associada ao programa espacial de Beijing, planeja 40 lançamentos e seis missões espaciais tripuladas, incluindo duas espaçonaves Shenzhou, além da conclusão da estação espacial chinesa Tiangong. As informações são do jornal South China Morning Post.
“Precisamos concluir totalmente várias tarefas aeroespaciais, garantir o sucesso total das principais missões de teste de voo e acelerar o desenvolvimento da China como uma potência espacial”, afirmou o presidente da Casc, Wu Yansheng.
E a Casc não é a única empresa ligada ao projeto. Outras companhias chinesas também têm planos de aumentar a atuação no espaço neste ano. A LandSpace projeta lançar um novo foguete, Zhuque-2, com capacidade de carga útil de quatro mil quilogramas, e a i-Space conduzirá o primeiro lançamento de seu foguete Shian Quxian-2. A Zhongke Aerospace, por sua vez, quer lançar de seu foguete Lijian-1 no primeiro trimestre do ano, enquanto a China Rocket lançará o primeiro foguete de combustível sólido Jielong-3 ainda em 2022.
Em 2021, a Casc superou as projeções anteriores, que eram de fazer os mesmos 40 lançamentos, e fez 48. No total, foram 55 aeronaves chinesas rumo ao espaço no ano passado, contra 51 dos Estados Unidos. Entre os lançamentos mais importantes de Beijing em 2021 destaca-se o módulo principal da Tiangong e duas missões tripuladas, cada qual com três astronautas enviados à estação espacial.
Superlotação
Nos últimos anos, a China aumentou consideravelmente o investimento no setor aeroespacial e tornou-se concorrente real dos EUA. Até 2007, o país não havia feito mais de dez lançamentos em um ano, mas intensificou as atividades desde então e, de lá para cá, já fez 152, a maior marca global. Desde 2018, somente em 2020 os EUA venceram a competição anual, com 44 lançamentos contra 39 chineses.
A disputa entre os dois os países tem gerado preocupações de que o espaço esteja superlotado, inclusive com um incidente curioso na última semana de dezembro. Após evitar duas colisões com sua estação espacial, devido a aproximações classificadas como “irresponsáveis”, a China solicitou à Starlink, uma divisão da empresa SpaceX, do magnata Elon Musk, que evite a aproximação de seus satélites, sob risco de uma tragédia.
Os satélites de Musk se aproximaram duas vezes da Tiangong, em julho e outubro, o que obrigou a estação chinesa a fazer manobras de evasão. “Os Estados Unidos devem tomar medidas imediatas para evitar a recorrência de tais incidentes e adotar uma atitude responsável para salvaguardar as vidas dos astronautas em órbita e a operação segura e estável das instalações espaciais”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Zhao Lijian.
Por que isso importa?
A China tem adotado uma estratégia diplomática que pode deixar os EUA em segundo lugar na corrida espacial. O projeto chinês é transformar a estação espacial Tiangong em “plataforma para cooperação internacional profunda”, um centro diplomático no espaço. A estrutura seria usada para experimentos em microgravidade e outras áreas científicas, com a capacidade de aceitar a presença de países incapazes de chegar à estação espacial internacional atual.
Para muitos especialistas, a questão vai além das relações públicas. Trata-se de mais uma forma de Beijing estender seus tentáculos a outras nações, de forma similar à adotada em projetos de investimento como a Nova Rota da Seda. O Brasil é um caso emblemático, pois compartilhou tecnologia com a China para o desenvolvimento conjunto de um satélite na década de 1990.
De 2008 para cá, os chineses assinaram acordos de cooperação espacial com Argentina, Brasil, Canadá, França, Malásia, Paquistão, Rússia, Ucrânia e a Comissão Europeia, segundo informações da Nasa, a agência espacial dos EUA. China e Rússia devem assinar em 2022 um novo acordo de cinco anos para cooperação espacial. Através dos acordos, Beijing constrói satélites de última geração para essas nações, e dados obtidos por eles permitem ao governo chinês, por exemplo, atuar no combate a desastres naturais. .
“Acho que, mais que tudo, o que Beijing tenta dizer é: ‘Somos o provedor de baixo orçamento. Somos o cara que não faz perguntas. Estamos felizes em tratá-los mais como iguais do que talvez os Estados Unidos’”, diz Richard Bitzinger, pesquisador sênior da S. Rajaratnam School of International Studies, em Cingapura. “Para muitos países, simplesmente não há realmente uma desvantagem política ou estratégica em lidar com os chineses nessas áreas”.
A derrota definitiva dos EUA na corrida espacial pode vir justamente com os imbatíveis preços oferecidos pela China, de acordo com Bitzinger. Isso porque os países em desenvolvimento podem até sonhar com o lançamento e os serviços de satélite que a Nasa oferece, teoricamente com qualidade superior. Mas é bem provável que optem pelo preço. E, nesse caso, não se pode competir com a China.
O que também fere as pretensões dos Estados Unidos é a baixa interação com as nações estrangeiras em questões espaciais. Segundo Alexander Vuving, professor do Daniel K. Inouye Asia-Pacific Center for Security Studies, no Havaí, não é uma questão recente. Ele destaca que os EUA parecem atualmente bem menos engajados na corrida espacial que nos tempos de Guerra Fria.