China envia veteranos do Exército ao Tibete para treinar crianças com foco militar e político

Programa de 'instrutores escolares' pretende moldar valores e costumes de alunos a partir dos seis anos de idade

Crianças tibetanas estão sendo treinadas por veteranos do Exército de Libertação Popular (ELP), da China, dentro das escolas, em mais uma iniciativa de Beijing para reforçar seu controle sobre o Tibete. De acordo com fontes locais citadas pela rede Radio Free Asia (RFA), a prática já está em vigor em escolas de Lhasa, Chamdo e Nagchu, bem como em áreas com presença tibetana nas províncias de Sichuan, Gansu e Qinghai.

Nas imagens exibidas por TVs controladas pelo governo, alunos aparecem marchando com uniformes militares, hasteando a bandeira vermelha da China e realizando exercícios de evacuação e simulações de ataques aéreos. Em Nagchu, por exemplo, 13 veteranos do ELP foram nomeados “instrutores escolares” em sete instituições, do ensino fundamental ao médio, para ministrar aulas de “valores corretos”, segundo veículos estatais.

O objetivo declarado é fazer com que a “educação para a defesa nacional crie raízes desde a infância” e prepare as crianças tibetanas para o serviço militar no futuro. “Agora, eles estão enviando militares e quadros do Partido Comunista Chinês (PCC) para fornecer educação ideológica com o objetivo de mudar completamente os valores, o pensamento e os modos de agir das crianças tibetanas”, afirmou uma fonte, sob anonimato.

Monastério Drepung, em Lhasa, Tibete (Foto: Birger Hoppe/Flickr)

Além do treinamento físico e da disciplina rígida, que inclui inspeções em dormitórios e cantoria de hinos militares antes das refeições, os instrutores desempenham funções políticas dentro da sala de aula. Segundo relatos, eles entram nos dormitórios após o horário escolar para reforçar normas de conduta e ensinar valores han, o grupo étnico majoritário da China.

“Isso visa desconstruir os padrões de pensamento e as práticas culturais que as crianças herdaram de suas famílias e tradições”, disse uma segunda fonte.

O programa é parte de uma política nacional sancionada em 2024 por meio de emenda à Lei de Educação para a Defesa Nacional, que autoriza a presença de membros do ELP em escolas de todos os níveis. Autoridades chinesas elogiaram o piloto implementado no distrito de Sernye, onde mais de 300 estudantes já se inscreveram como futuros voluntários para o serviço militar.

A iniciativa também foi incorporada ao plano de governo para 2025, segundo o qual a China adotará reformas integradas no currículo político desde o ensino básico até a universidade.

“Recebi redações escritas anonimamente por professores tibetanos dentro do Tibete que expressaram frustração ao verem mudanças completas no currículo escolar com mensagens de propaganda pesada. Isso inclui exaltar soldados do ELP como heróis”, contou Tsewang Dorji, pesquisador do Tibet Policy Institute.

Por que isso importa?

A repressão chinesa no Tibete tem raízes históricas e remete a um conflito relacionado à soberania e à cultura. A ocupação chinesa em uma das regiões mais fechadas e politicamente sensíveis do país começou em 1950, quando as tropas do ELP invadiram e assumiram o controle do território tibetano, em um episódio que Beijing chama de “libertação pacífica”.

Então, em 1959, os tibetanos se insurgiram contra o domínio chinês, mas a artilharia de Beijing esmagou a resistência, executou os guardas do líder espiritual e destruiu mosteiros de Lhasa. Diante do cenário de destruição, o 14º Dalai Lama Tenzin Gyatso fugiu para a Índia.

Desde então, a China impõe uma violenta repressão aos tibetanos, um processo escorado no desrespeito aos direitos humanos que inclui a supressão da identidade cultural e religiosa tibetana, restrições à liberdade de expressão e detenções arbitrárias.

A China implementou políticas de assimilação cultural, incluindo a transferência forçada de tibetanos para programas de formação profissional e internatos estatais. As ações são semelhantes às que têm sido denunciadas em Xinjiang contra os uigures. Essas políticas geraram preocupações internacionais e críticas de organizações de direitos humanos.

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