China organiza nova visita de diplomatas estrangeiros para mascarar abusos em Xinjiang

Desta vez não há registro de que o Brasil tenha enviado representantes à região, onde Beijing é acusada de genocídio contra os uigures

Um grupo de 39 diplomatas de 25 países diferentes realizou, entre os dias 31 de julho e 4 de agosto, mais uma visita guiada a Xinjiang, no noroeste da China. Esse tipo de evento, organizado periodicamente por Beijing, é parte dos esforços do governo chinês para mascarar os abusos na região, denunciados por organizações humanitárias e nações ocidentais e que têm como principal vítima a minoria étnica dos uigures.

Visita semelhante ocorreu em abril, inclusive com a presença de representantes do Brasil. Desta vez, no entanto, não há registro de participação brasileira, segundo a rede Radio Free Asia (RFA). A reportagem de A Referência entrou em contato com a embaixada brasileira em Beijing e questionou se houve convite para participação na visita mais recente. Não houve resposta até o fechamento desta matéria.

Criança uigur em mercado de Hotan, região de Xinjiang (Foto: Wikimedia Commons)

Em seus canais habituais, a China não informou a nacionalidade de todos os diplomatas presentes. Citou apenas alguns países, como Guiné, Samoa, Dominica, Mianmar, Irã, Quirguistão, Uzbequistão, Suriname, Colômbia, Peru, Paquistão, Nicarágua e México. A comitiva passou pelas cidades de Kashgar e Aksu, bem como pela capital regional Urumqi.

Como em ocasiões anteriores, Beijing aproveitou a oportunidade para colher declarações favoráveis dos visitantes, transformando-as em propaganda estatal para confrontar as denúncias de abusos em Xinjiang, que falam até em genocídio contra os uigures.

“Xinjiang é um lugar maravilhoso. Estou muito feliz por estar de volta depois de 24 anos. Desta vez, vi muitos edifícios modernos e moradores locais vivendo vidas muito melhores. As pessoas continuam alegres e amigáveis ​​como eram naquela época”, disse o diplomata colombiano Lucho Roa, de acordo com o jornal China Daily, controlado pelo Partido Comunista Chinês (PCC).

De acordo com o periódico estatal, “muitos dos diplomatas, especialmente aqueles que assumiram recentemente cargos de embaixador na China, estavam fazendo suas primeiras visitas à região, onde se envolveram em interações face a face com a população local para obter uma visão do desenvolvimento socioeconômico de Xinjiang”.

Trabalho forçado

Tal visão favorável, porém, restringe-se aos aliados chineses, governos ideologicamente alinhados a Beijing ou que mantêm uma relação de dependência econômica com o gigante asiático. Fora da bolha, uma das principais denúncias contra a China é a de que os uigures são submetidos a condições desumanas de trabalho, com relatos inclusive de menores de idade forçados a trabalhar na indústria local.

Em agosto do ano passado, documento publicado pela ONU (Organização das Nações Unidas) classificou a situação em Xinjiang como “escravidão moderna”. Segundo o relatório, os trabalhadores uigures sofrem “vigilância excessiva, condições de vida e trabalho abusivas, restrição de movimento por meio de internação, ameaças, violência física e/ou sexual e outros tratamentos desumanos ou degradantes.”

Na mesma época, um relatório mais amplo e há muito aguardado, assinado pela então alta comissária da ONU para os direitos humanos Michelle Bachelet, reforçou a alegação de que “graves violações dos direitos humanos têm sido cometidas em Xinjiang“ por Beijing.

O documento assinado por Bachelet, fruto de uma visita histórica que ela fez à região autônoma em maio de 2022, afirma ainda que os “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção, são confiáveis, assim como as alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero.”

A posição chinesa

O governo chinês refuta as acusações de abusos em Xinjiang e destaca os avanços obtidos na região nos últimos dez anos. “Os diplomatas disseram que durante a viagem descobriram que as narrativas feitas pelos Estados Unidos e países europeus sobre Xinjiang eram invenções completas usadas para conter o desenvolvimento da China”, diz o China Daily.

Zhao Lijian, ex-porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, chegou a afirmar em mais de uma ocasião, quando ainda ocupava o cargo, que o trabalho forçado uigur, principal denúncia que pesa contra o governo chinês, é “a maior mentira do século”.

Beijing não esconde a existência de centros de detenção, onde são mantidos milhões de uigures e que são oficialmente classificados como “campos de reeducação”. O argumento para isolar e vigiar a etnia muçulmana é o da “segurança nacional”, sob a justificativa de evitar a radicalização dos fiéis.

Essas áreas, porém, não fazem parte do roteiro preparado por Beijing para os diplomatas estrangeiros. Desta vez, como em abril, a questão da segurança foi novamente citada durante a visita. O ponto de vista, mais uma vez, foi favorável a Beijing.

“Como o primeiro direito humano é viver em segurança, a China deve oferecer segurança básica para todos os seus cidadãos, como todos os outros países”, disse  Kaba Ibrahim Sinkoun, primeiro secretário da embaixada da Guiné na China e também muçulmano.

Michael Campbell, embaixador da Nicarágua, reforçou essa posição. “Nenhum país no mundo pode aceitar terrorismo e extremismo dentro de suas fronteiras. Isso é um direito da China”, disse ele.

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