Adolescentes uigures são mantidas à força em fábrica de Xinjiang, aponta investigação

Governo chinês é acusado de obrigar as meninas a trabalharem 14 horas diárias, sob constante ameaça e com relatos de agressões

O governo da China mantém cerca de 90 meninas uigures presas em uma fábrica de roupas de Xinjiang, no noroeste do país asiático. Lá, elas são obrigadas a trabalhar 14 horas diárias, sete dias por semana, em um ambiente extremamente hostil, com relatos de violência verbal e física contra as jovens. É o que revela uma investigação conduzida pela rede Radio Free Asia (RFA).

O abuso é parte de um acordo firmado em 2017 entre a empresa chinesa Wanhe Garment Co. Ltda., do condado de Maralbeshi, com a escola profissionalizante Yarkant de ensino médio. As adolescentes, que têm entre 16 e 18 anos, são obrigadas a trabalhar mesmo que contra a própria vontade, uma imposição que foi confirmada à reportagem por quatro fontes cujas identidades foram mantidas em sigilo.

A chefe do vilarejo onde fica o instituto de ensino confirmou a prática e afirmou que as mães e os pais das jovens são coagidos a enviar as filhas à fábrica. Ali trabalham também mulheres adultas com idades que variam entre 30 e 40 anos. Todas permanecem nas instalações em tempo integral, sendo a maioria da etnia uigur. Há ainda cerca de 15 chineses da etnia han, que é maioria no país.

No caso das menores, o trabalho é fiscalizado por uma mulher apelidada de “professora”, que tem a fama de ser dura com as funcionárias. “A ‘professora’ é conhecida por ter um temperamento muito ruim. Ela agride fisicamente as trabalhadoras usando um bastão como meio de infligir danos”, disse a testemunha. “As trabalhadoras vivem com medo dela, e devido ao ambiente intimidador ninguém se atreve a fugir.”

Urumqi, capital de Xinjiang, com as montanhas de Yamalik ao fundo (Foto: Wikimedia Commons)

Houve recentemente um caso de adolescentes que conseguiram escapar da fábrica e voltar para casa, mas a liberdade durou pouco tempo. Elas foram localizadas e levadas de volta, sob a ameaça de que os país seriam enviados a campos de “reeducação” caso as jovens se recusassem a trabalhar.

Na fábrica, o dia de trabalho vai das 7h às 23h, com uma hora de intervalo para almoço e mais uma para jantar. O salário mensal varia entre 300 (R$ 201) e 400 yuans (R$ 268), segundo um guarda que trabalha nas instalações e que confirmou o acordo entre a fábrica e a escola. Dois funcionários estatais de Yarkant ratificaram a informação, dizendo que o contrato é “segredo de Estado”.

Denúncias da ONU

A denúncia de que uigures são submetidos a trabalho forçado em Xinjiang é parte de acuações mais amplas contra o governo da China no que tange ao tratamento dispensado aos uigures. Em agosto do ano passado, um documento publicado pela ONU (Organização das Nações Unidas) classificou a situação da minoria muçulmana em Xinjiang como uma “escravidão moderna”.

Segundo o relatório, os trabalhadores uigures sofrem “vigilância excessiva, condições de vida e trabalho abusivas, restrição de movimento por meio de internamento, ameaças, violência física e/ou sexual e outros tratamentos desumanos ou degradantes.”

Alguns dias depois, um relatório mais amplo e há muito aguardado, assinado pela então alta comissária da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, reforçou a alegação de que “graves violações dos direitos humanos têm sido cometidas em Xinjiang“ por Beijing.

O documento assinado por Bachelet, fruto de uma visita histórica que ela fez à região autônoma em maio de 2022, afirmau ainda que os “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção, são confiáveis, assim como as alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero.”

Por que isso importa?

A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.

O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.

A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian afirma que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele.

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