Corrupção compromete armas, gera expurgo na cúpula militar e impede a China de ir à guerra

Inteligência dos EUA avalia que Beijing tem problemas urgentes a solucionar e por isso não teria condições de travar uma grande guerra agora

O recente expurgo promovido pelo presidente da China, Xi Jinping, no Exército de Libertação Popular (ELP) continua sendo abordado com máxima discrição pelo governo do país asiático. Agora, entretanto, a inteligência dos EUA joga alguma luz sobre a questão, tendo constatado que a corrupção generalizada comprometeu o funcionamento do arsenal militar e forçou Beijing a realizar mudanças drásticas na cúpula de suas Forças Armadas, comprometendo eventuais planos do país de entrar em uma guerra neste momento. As informações são da rede Bloomberg.

De acordo com as autoridades norte-americanas ouvidas pela reportagem, a corrupção é o grande problema encontrado por Xi, que vinha realizando um processo de modernização dentro das Forças Armadas desde que assumiu o poder.

Diante dos problemas, a avaliação em Washington é a de que qualquer grande ação militar chinesa, como uma eventual invasão de Taiwan, teria que ser adiada por alguns anos.

As fontes, cujas identidades foram mantidas em sigilo, dizem que o desvio de dinheiro teria levado a situações constrangedoras, como silos de mísseis incapazes de operar em função de componentes carentes de manutenção e foguetes com água misturada ao combustível, o que impediria um eventual lançamento em caso de guerra.

Xi Jinping e as Forças Armadas: mudanças forçadas no comando militar (Foto: Gov. Hong Kong/divulgação)

Equipar e treinar suas tropas para colocá-las em condições ideais de operação é uma das prioridades de Xi desde a chegada ao poder, e ele inclusive falou sobre isso nas celebrações do 96º aniversário do ELP, em agosto de 2023. Na ocasião, pediu às autoridades militares que impulsionassem a modernização das Forças Armadas, enfatizando a necessidade de ampliar a capacidade de confronto e prontidão.

Em um primeiro momento, parecia atingir o objetivo com louvor, colocando as forças ocidentais, sobretudo os EUA, em alerta para uma iminente agressão a Taiwan. A situação parecia preocupante devido ao tamanho do poder de fogo chinês e ao risco de a agressão arrastar os aliados taiwaneses para o campo de batalhas.

O ELP ostenta hoje a maior Marinha do mundo em numero de embarcações militares, e a Força Aérea também cresce rapidamente, capaz de rivalizar com qualquer potência. Já o Exército permanente chinês tem cerca de dois milhões de soldados e é o maior do mundo. De quebra, o país atingiu em maio de 2023 a marca de 500 ogivas nucleares em seu arsenal, bem acima de projeções anteriores. 

A corrupção, entretanto, forçou o presidente a mudar os planos no meio do processo de modernização, colocando o combate aos desvios de dinheiro como prioridade. Primeiro, em julho do ano passado, criou um novo mecanismo que teria investigado vazamentos de informações e licitações direcionadas para beneficiar determinadas empresas.

Veio, então, o expurgo. A primeira vítima foi o ministro da Defesa Li Shangfu, que ocupou o cargo por apenas sete meses e foi destituído em outubro do ano passado. Também caíram cinco autoridades da força de mísseis do ELP, dois membros do Departamento de Desenvolvimento de Equipamentos e três executivos de empresas estatais de fabricação de mísseis. Isso sem contar eventuais demissões mantidas sob sigilo.

Embora o Partido Comunista Chinês (PCC) mantenha em segredo os detalhes, deixou claro que a corrupção precisa ser combatida e a citou em um editorial da imprensa oficial das Forças Armadas no dia 1º de janeiro. Assim, a expectativa para 2024 é a de novas mudanças no ELP.

O próprio Xi tocou no tema nesta semana, em reunião com funcionários estatais relatada pela revista Newsweek. “Após dez anos de esforços anticorrupção incansáveis ​​e poderosos na nova era, alcançamos uma vitória esmagadora e consolidamos de forma abrangente as nossas conquistas. No entanto, a situação continua terrível e complexa”, disse o presidente aos membros da Comissão Central de Inspeção Disciplinar, o mais alto órgão de supervisão do PCC.

Inexperiência em combate

Se a corrupção prejudica a modernização das Forças Armadas chinesas, um outro problema se soma para comprometer os planos de Xi de travar um eventual conflito com Taiwan: a falta de experiência em combate dos soldados chineses.

Entre a cúpula governamental chinesa, a luz de emergência foi acesa pela morte de militares do país em missão da ONU (Organização das Nações Unidas) na África, em 2016. “A dolorosa lição no Sudão do Sul expôs uma das nossas maiores vulnerabilidades: uma quase total falta de experiência de combate”, disse uma fonte dentro do ELP citada pelo jornal The Express.

Foi aquele episódio que levou Xi a intensificar o processo de modernização militar que já estava em curso, agora comprometido pelos casos de corrupção. Segundo a revista The Economist, o presidente acusou suas Forças Armadas de sofrerem da “doença da paz”, enquanto o jornal militar PLA Daily, em 2018, classificou o problema como algo “mais perigoso que armas enferrujadas.”

O tenente-general He Lei, ex-vice-presidente da Academia de Ciências Militares do ELP, reforçou essa impressão em entrevista à The Economist, ao admitir que ele próprio é um novato quando considerada a experiência prática de conflito.

“Sou soldado há mais de 50 anos e nunca estive em uma guerra”, disse o oficial. “Mas não podemos ir à guerra para aumentar nossa experiência de combate, certo?”

Ainda assim, He projeta o sucesso de suas tropas caso sejam de fato forçadas a invadir Taiwan. “Nesta guerra, o ELP corresponderá às expectativas e à confiança do Partido e do povo, lutará bravamente sob um comando unificado e alcançará a reunificação completa da pátria com o menor número de baixas, derrotas mínimas e custo reduzido”, afirmou o tenente-general ao jornal estatal Global Times, em outubro de 2023, acrescentando que a guerra serviria ainda para “esmagar a interferência estrangeira.”

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