Órgãos de imprensa pedem garantias de segurança sob nova lei repressiva em Hong Kong

As associações de jornalistas do território semiautônomo estão preocupadas com mudanças na lei de segurança nacional, que podem ter graves impactos no trabalho da imprensa

Durante o período recentemente encerrado de consulta pública do governo de Hong Kong para instauração de uma nova lei de segurança nacional, as principais associações de jornalistas da cidade expressaram sérias preocupações sobre o impacto que essa legislação pode ter na independência da realização do trabalho. As informações são da rede Voice of America (VOA).

A proposta é uma expansão da lei de segurança nacional de 2020, que já proíbe secessão, subversão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras. A fim de punir crimes como traição, insurreição, espionagem, roubo de segredo de Estado e interferência estrangeira, o novo texto legal tende a ser ainda mais rígido que o atual, fortalecendo a repressão mesmo após os pedidos por democracia terem sido silenciados, com a liberdade de expressão praticamente abolida no território.

Durante as apresentações ao Departamento de Segurança durante o processo de consulta, tanto a Associação de Jornalistas de Hong Kong (HKJA, da sigla em inglês) quanto o Clube de Correspondentes Estrangeiros de Hong Kong (FCCHK) pediram ao governo que incluísse uma cláusula de interesse público na nova lei para proteger os jornalistas, de modo a garantir que não seriam atacados no cumprimento de suas funções.

Jornalista sofre repressão policial durante Revolução dos Guardas-Chuvas em Hong Kong, no ano de 2014 (Foto: WikiCommons)

Eles destacaram que, sem intenção de violar a lei, os jornalistas poderiam inadvertidamente fazê-lo ao reportar as notícias. A FCCHK, que inclui mais de dois mil membros de diversas áreas, considerou essa medida fundamental para manter a liberdade de imprensa.

Já HKJA enfatizou a importância de garantir proteção suficiente para a categoria e evitar “danos irreversíveis” à liberdade de imprensa.

As duas associações expressaram preocupação com a amplitude da definição e do escopo dos crimes propostos na legislação futura, como roubo de segredos de Estado, interferência estrangeira e sedição, argumentando que isso pode afetar negativamente o trabalho legítimo dos jornalistas.

Elas temem que os jornalistas possam ser acusados de roubo de segredos de Estado ao obterem informações vazadas de autoridades, de cumplicidade com a interferência estrangeira ao citarem grupos estrangeiros críticos ao governo, e de sedição ao citarem críticos dos governantes ou publicarem editoriais que questionem as políticas públicas.

Apesar das declarações do governo sobre buscar um equilíbrio entre segurança nacional e liberdades individuais, incluindo a liberdade de imprensa, as associações de jornalistas receiam que a aplicação dessas medidas possa ser subjetiva.

Esta não é a primeira tentativa de implantação da lei, mas agora o processo tende a ser bem sucedido. O anterior, em 2003, acabou abortado porque a população se ergueu contra a medida, prevendo o fim das liberdades individuais. Cerca de meio milhão de pessoas foram às ruas protestar, e o governo na ocasião engavetou o projeto. Agora, com a dissidência praticamente eliminada, não existe obstáculo à vista.

Falta de clareza

A Associação de Jornalistas de Hong Kong expressou preocupação com a falta de clareza sobre o que constitui “necessário para salvaguardar a segurança nacional”, temendo que isso dê ao Departamento de Segurança poderes sem limites para restringir as operações de organizações de notícias locais sem a necessidade de apresentar provas ao tribunal.

Além disso, a associação sugeriu que a lei seja aplicada somente se o governo puder comprovar a intenção do réu de colocar em risco a segurança nacional e danos materiais reais à mesma.

Uma pesquisa recente mostrou que todos os 160 jornalistas e outros profissionais de mídia entrevistados acreditam que o “Artigo 23” prejudicaria a liberdade de imprensa, com 90% deles prevendo um impacto significativo. A maioria concordou que o escopo e a terminologia da lei proposta eram amplos demais e vagos, expressando preocupação com a possibilidade de inadvertidamente violá-la.

Por que isso importa?

Após a transferência do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional. No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Quem desaprova a lei de segurança nacional é o Reino Unido, sob o argumento que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia a promessa de que as liberdades individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Anistia Internacional também se manifestou. “Este é potencialmente o momento mais perigoso para os direitos humanos em Hong Kong desde a introdução da lei de segurança nacional em 2020. A nova legislação proposta pelo artigo 23 poderá consolidar ainda mais a repressão na cidade”, disse a diretora da ONG, Sarah Brooks.

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