Estatal chinesa mira porto de águas profundas nas Ilhas Salomão e preocupa Austrália

Preocupação diz respeito às supostas intenções da China em estabelecer uma base naval no país do Pacífico Sul

Em meio a preocupações recorrentes quanto à construção de uma base naval nas Ilhas Salomão por Beijing, uma estatal chinesa colocou no carrinho algumas compras que tem interesse em fazer na nação insular. O negócio, que pode virar uma dor de cabeça para a Austrália, envolve uma área florestal que possui um porto de águas profundas e uma pista de pouso da época da Segunda Guerra Mundial, segundo informações da agência Associated Press.

A empresa governamental em questão é a China Forestry Group Corp., que em 2019 mandou uma delegação para conhecer a ilha de Kolombangara, território no qual os chineses estão de olho e que abriga uma plantação florestal de madeira de lei.

As árvores nativas, no entanto, ficaram em segundo plano. O grande interesse demonstrado pela comitiva estava no comprimento do cais e na profundidade da água, segundo informou a rede Australian Broadcasting Corp. nesta segunda-feira (1).

Ilha de Kolombangara (Foto: Twitter/Reprodução)

Por conta das restrições sanitárias da Covid-19, as tratativas foram interrompidas na época. Agora, com a reabertura das fronteiras, ocorrida no mês passado, o balcão de negócios entre os países está a todo vapor.

No final de março, vazou uma carta de intenções indicando que a China planejava estabelecer uma base militar nas Ilhas Salomão, o que fez soar o alarme na vizinha Austrália e em outros aliados ocidentais no Indo-Pacífico, colocando a pequena nação insular no olho do furacão de um debate tenso sobre o futuro da região.

No documento, uma empresa chinesa de engenharia “demonstra intenção de estudar a oportunidade de desenvolver projetos navais e de infraestrutura em terrenos arrendados para a Marinha do Exército de Libertação Popular, para a Província de Isobel, com direitos exclusivos por 75 anos”.

Beijing desmentiu o projeto. Mas na opinião de Silas Tausinga, um parlamentar das Ilhas Salomão que tem base eleitoral nas proximidades de Kolombangara, a China possui, sim, a ambição de ter uma extensão militar em seu país.

“A Austrália deveria se preocupar com isso”, disse ele à reportagem da ABC. Camberra está atenta ao crescente poder militar chinês e a consequente ameaça que isso representa à segurança australiana, já que as Ilhas Salomão estão a cerca de dois mil quilômetros da sua costa.

A plantação é de propriedade da Kolombangara Forest Products Ltd. (KFPL), um consórcio de acionistas privados taiwaneses e australianos (que detêm 60%) em conjunto com o governo das Ilhas Salomão (40%), que abordou o conselho sobre o acordo com a China Forestry Group Corporation. Apesar do alerta ao recém-eleito governo australiano em maio sobre os “riscos e ameaças estratégicas” que a venda representaria ao país, o Departamento de Relações Exteriores da Austrália disse que não interviria.

Há um pacto de segurança firmado entre as Ilhas Salomão e a China, acordo que, segundo os EUA, se destaca pela “completa falta de transparência”. A maior preocupação é a possibilidade de Beijing militarizar a nação insular, ao que Washington promete uma resposta caso a expectativa se confirme.

Com população de cerca de 700 mil pessoas, o país liderado pelo primeiro-ministro Manasseh Sogavare fica localizada em território estratégico, bem no centro de um cabo de guerra geopolítico. O país tem se aproximado de Beijing desde 2019, quando mudou o reconhecimento diplomático de Taiwan para a China, sublinhando a crescente influência chinesa em uma região que era tradicionalmente dominada por EUA e Austrália.

Por que isso importa?

As Ilhas Salomão vivem um período de intensa agitação social, que especialistas associam a questões étnicas e históricas, à corrupção estatal e ao movimento do governo para estreitar laços com a China. Há três anos, o governo local trocou a aliança diplomática com Taiwan por uma com Beijing.

Para James Batley, um ex-alto comissário australiano para as Ilhas Salomão e especialista em assuntos sobre Ásia-Pacífico da Universidade Nacional Australiana, o desagrado da população em relação à aproximação com a China serviu como gatilho para a desordem popular que explodiu em novembro de 2021.

“Não é política externa em si, mas acho que essa mudança diplomática alimentou as queixas pré-existentes e, em particular, a sensação de que os chineses interferiram na política nas Ilhas Salomão, que o dinheiro chinês de alguma forma fomentou a corrupção, distorceu a forma como a política funciona nas Ilhas Salomão”, disse Batley.

A relação comercial com a China é considerada particularmente predatória pela população local. Mais da metade de todos os frutos do mar, madeira e minerais extraídos do Pacífico em 2019 foi para a China. A estimativa é de que esse processo tenha movimentado US$ 3,3 bilhões, apontou uma análise de dados comerciais do jornal britânico The Guardian.

Para alimentar e gerenciar a população de quase 1,4 bilhão de habitantes, a China tirou do Pacífico mais recursos do que os dez países da região juntos. Nas Ilhas Salomão e em Papua Nova Guiné, por exemplo, mais de 90% do total de madeira exportada foi para os chineses.

Os dados não levam em consideração as exportações ilícitas. Nas Ilhas Salomão, pelo menos 70% das toras são exportadas de madeira ilegal. A falta de leis na China contra esse tipo de importação absorvem o envio devido à alta demanda e proximidade com a região.

Tags: