Estudo contabiliza 22 massacres cometidos pela junta de Mianmar desde o golpe

Uma pesquisa recente realizada pelo ISP-Myanmar revela que, desde fevereiro de 2021, as forças no país executaram banhos de sangue que resultaram na trágica morte de mais de 500 civis

Após o golpe militar em Mianmar, orquestrado em fevereiro de 2021, as forças da Junta conduziram 22 massacres, nos quais morreram mais de 500 pessoas, incluindo crianças e idosos. As descobertas foram reveladas na última sexta-feira (20) por um think tank local, o Instituto de Estratégia e Política (ISP Myanmar, da sigla em inglês), grupo de investigação independente sediado em Yangon. As informações são da rede Radio Free Asia.

O estudo lança luz sobre a gravidade da situação no país do sudeste asiático desde o golpe, evidenciando a perda de vidas civis em grande escala devido às ações da Junta militar.

No massacre mais recente, registrado no dia 9 de outubro, um ataque devastador tirou a vida de 29 pessoas, incluindo 11 crianças, quando uma bomba foi lançada sobre o campo de deslocados internos de Mung Lai Hkyet, localizado próximo ao quartel-general do Exército da Independência de Kachin.

Uma mãe birmanesa e sua filha de um ano fogem para a segurança, atravessando a fronteira com a Tailândia durante uma jornada de uma semana a pé em janeiro de 2022 (Foto: UNOCHA/Siegfried Modola)

Dos 22 ataques registrados, 13 ocorreram na região norte de Sagaing, apontou o ISP-Myanmar. A sobrevivente de um dessas ofensivas manifestou medo constante sobre a possibilidade da população civil ser alvo de artilharia novamente ou de futuros ataques aéreos.

Em 11 de abril, ocorreu o ataque mais mortal na aldeia de Pa Zi Gyi, município de Kanbalu, em Sagaing, resultando na trágica morte de quase 170 pessoas após um bombardeio aéreo, conforme relatado pelo ISP-Myanmar.

Kyaw Zaw, porta-voz do gabinete presidencial do Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), grupo que estabeleceu um regime paralelo para enfrentar a ditadura, destacou a necessidade de encaminhar os detalhes desses massacres ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

No mês de julho, o Ministério dos Direitos Humanos do NUG divulgou uma contagem que documentou 144 incidentes nos quais a junta militar atacou civis, resultando em mais de cinco mortes.

Zaw Win, representante do grupo de direitos humanos Fortify Rights, com sede no Sudeste Asiático, alertou que a junta continuará a perpetrar massacres, a menos que a Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático) e a comunidade internacional adotem medidas decisivas.

As ações dos militares birmaneses têm sido duramente condenadas por órgãos internacionais e nações estrangeiras. Em setembro, na abertura da 54ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), investigadores independentes disseram que os crimes de guerra têm se acumulado em Mianmar.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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