EUA e China trocam farpas após nova sentença condenatória contra magnata da mídia

Jimmy Lai, dono de um extinto grupo de comunicação em Hong Kong, foi condenado a quase seis anos de prisão por fraude

A Justiça de Hong Kong anunciou no sábado (10) uma sentença de cinco anos e nove meses de prisão imposta ao magnata da mídia Jimmy Lai, que já está preso e agora foi condenado por fraude em um contrato de locação. A decisão gerou um novo atrito entre EUA e China, que se manifestaram sobre o caso e iniciaram um debate sobre liberdade de imprensa.

Lai, que teve papel importante nas manifestações pró-democracia de 2019 no território semiautônomo, atualmente cumpre pena por crimes previstos na lei de segurança nacional. Nos últimos meses, passou a responder também por fraude, pelo fato de uma empresa dele, a Next Digital, ter sublocado uma área sem avisar ao proprietário do espaço, Hong Kong Science and Technology Parks Corporation.

A mais recente condenação do magnata levou a uma manifestação de repúdio de Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, no Twitter. “Os Estados Unidos condenam o resultado grosseiramente injusto da última sentença do julgamento de Jimmy Lai. Por qualquer medida objetiva, esse resultado não é justo nem justo. Mais uma vez, pedimos às autoridades da RPC (República Popular da China) que respeitem a liberdade de expressão, inclusive para a imprensa, em Hong Kong”.

Hong Kong reagiu com irritação à acusação e reforçou que o caso está ligado única e exclusivamente à suposta fraude no contrato de locação, não à liberdade de imprensa. Lai era dono de veículos de mídia como o jornal Apple Daily, forçado pelo governo chinês a encerrar as atividades devido à posição pró-democracia.

O governo classificou a manifestação de Washington como “calúnia maliciosa” e disse que ela configura uma “interferência flagrante” nos assuntos do território, que é considerado parte da China.

“Em busca de seus interesses políticos, os EUA interferiram descaradamente no julgamento justo do tribunal, minaram seriamente o espírito do estado de direito e violaram os padrões internacionais e o direito internacional. O uso de inúmeras falácias pelos EUA nada mais é do que a exposição de seu bullying hegemônico, resultando em uma perda de credibilidade”, disse um porta-voz do governo honconguês, segundo o site independente Hong Kong Free Press.

Beijing também entrou no bate-boca, com um comunicado divulgado pelo escritório em Hong Kong do Ministério das Relações Exteriores da China e reproduzido pelo jornal China Daily, ligado ao Partido Comunista Chinês (PCC). “Pedimos às forças externas que se abstenham de interferir no judiciário da RAE (região administrativa especial) e em quaisquer outros assuntos de Hong Kong e assuntos internos da China sob o pretexto dos direitos humanos”.

Jimmy Lai, magnata e importante figura no movimento pró-democracia (Foto: WikiCommons)
Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

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