Hong Kong promete ‘perseguir por toda a vida’ ativista que se recusa a retornar do Canadá

Agnes Chow foi presa por defender a democracia no território. Libertada e autorizada e estudar no exterior, diz agora que não voltará

O chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, afirmou na terça-feira (5) que o governo “perseguirá por toda a vida” a dissidente Agnes Chow, ativista pró-democracia que obteve o direito de estudar no Canadá e agora se recusa a retornar ao território chinês. As informações são do site Hong Kong Free Press.

Chow foi presa e julgada pelo governo honconguês com base na lei de segurança nacional, imposta pela China em 2020 como resposta aos protestos pró-democracia no território. Mesmo condenada, foi solta sob fiança em 2021, após cumprir dez meses de prisão. E recentemente recebeu autorização para estudar em Toronto.

“Acredito que os envolvidos que tentaram conceder clemência devem achar isso totalmente decepcionante”, disse Lee, acrescentando que fugitivos como a jovem ativista serão “perseguidos pelo resto da vida, a menos que se entreguem.”

Após cerca de dois anos e meio sem se manifestar publicamente, Chow quebrou o silêncio no final de semana, através de sua conta na rede social Instagram. No texto, contou que antes de ser autorizada a viajar para a América do Norte precisou assinar uma carta de arrependimento, entregar o passaporte às autoridades e fazer uma excursão à China continental, evento voltado à propaganda estatal.

Agnes Chow, ativista pró-democracia de Hong Kong (Foto: Studio Incendo/WikiCommons)

A jovem contou ainda que mesmo após deixar a cadeira vivia com medo, pois era constantemente seguida e poderia ser presa novamente a qualquer momento. “De vez em quando vinha alguém me lembrar que eu não era livre, que ainda estava sob vigilância, que não deveria tentar fazer nada (claro que eu não faria, só vivia com medo).”

Na China, quando lá esteve para a viagem imposta pelo governo de Hong Kong, contou que não chegou a se encontrar com agentes do Partido Comunista Chinês (PCC), mas igualmente se sentia observada o tempo todo.

Na volta a Hong Kong, ainda precisou redigir mais uma carta de agradecimento à polícia local pela viagem e reconhecendo o “grande desenvolvimento” alcançado pelo território. Só depois foi autorizada a viajar para o Canadá, já com o passaporte novamente em mãos.

“Depois de considerar cuidadosamente, inclusive a situação em Hong Kong, a minha própria segurança, a minha saúde física e mental, decidi não retornar. E provavelmente nunca mais retornarei pelo resto da minha vida”, disse ela na postagem.

Assim como John Lee, o departamento de segurança nacional de Hong Kong também se manifestou após as declarações da jovem.

“A polícia condena veementemente este comportamento irresponsável ​​que desafia abertamente a lei e a ordem”, diz comunicado reproduzido parcialmente pelo jornal The Guardian.. “A polícia apela à pessoa envolvida para que se afaste do precipício e não opte por seguir um caminho sem volta, levando o nome de ‘fugitiva’ para o resto da vida.”

Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa de 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente chinês Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada.”

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