Intimidação chinesa contra Taiwan ganha força a dez dias das eleições presidenciais

Beijing insiste que a reunificação é inevitável e realiza manobras militares nas proximidades da ilha, numa tentativa de influenciar o voto

À medida que as eleições presidenciais e legislativas se aproximam em Taiwan, marcadas para 13 de janeiro, a China tem intensificado a pressão sobre a ilha. As autoridades chinesas reiteram o discurso de que a reunificação com Beijing é inevitável e, nesse cenário, coordenam manobras militares nas proximidades do território semiautônomo para demonstrar força. As informações são da rede Voice of America.

Na visão de alguns analistas, essas ações estão alinhadas com estratégias de longa data de Beijing. Um deles, Michael Cole, conselheiro sênior do Countering Foreign Authoritarian Influence (Combate à Influência Autoritária Estrangeira, da sigla em inglês CFAI), de Taiwan, observou que, em cada eleição e nos intervalos entre elas, “Beijing recorre a uma combinação de incentivos e punições” para moldar e pressionar o povo taiwanês.

Segundo a análise de Cole, Beijing irá ajustar suas estratégias em resposta à retórica da oposição. Esta última sugere que votar no atual candidato presidencial do Partido Democrático Progressista (DPP), Lai Ching-te, pró-independência, é de certa forma apoiar a guerra. Diante disso, o analista diz que não surpreenderia s a China interviesse com lembretes claros sobre suas capacidades operacionais.

Bandeira de Taiwan em Taipé (Foto: WikiCommons)

Durante seu tradicional discurso de Ano-Novo no último domingo (31), o presidente Xi Jinping abordou uma das questões mais sensíveis para Beijing ao reiterar firmemente o compromisso de reunificar a China e Taipé, apenas duas semanas antes do pleito na ilha.

Em contraste com seu tom mais conciliatório no ano anterior, o presidente declarou que a China “certamente será reunificada”, instando todos os chineses em ambos os lados do Estreito de Taiwan a compartilharem o propósito comum e “a glória do rejuvenescimento nacional”.

Além da retórica presidencial, o Gabinete de Assuntos de Taiwan, em Beijing, também falou sobre a “unificação pacífica” com Taiwan. Song Tao, chefe do órgão, endossou o discurso de Xi e destacou a importância da união para o rejuvenescimento chinês.

“Acreditamos firmemente que, enquanto os compatriotas de ambos os lados do Estreito de Taiwan estiverem unidos e derem as mãos, seremos capazes de criar um futuro melhor”, disse.

Intimidação militar

Além de reforçar a retórica da reunificação, a China mantém atividades na zona cinzenta ao redor de Taiwan, posicionando aeronaves militares, navios de guerra, rebocadores e balões próximos à ilha. Essas operações envolvem táticas militares e não militares ofensivas para intimidar ou coagir.

O Ministério da Defesa taiwanês relata que a China enviou dezenas de aeronaves militares e navios de guerra nas proximidades da ilha. Além disso, desde o início de 2024, pelo menos seis balões chineses foram detectados cruzando a linha média do Estreito de Taiwan, com quatro sobrevoando diretamente a região.

Especialistas indicam que a China passou a usar recentemente a estratégia de lançar balões na zona cinzenta, visando influenciar os eleitores taiwaneses e demonstrar sua capacidade de violar o espaço aéreo de Taiwan.

Su Tzu-yun, especialista militar do Instituto de Pesquisa de Defesa e Segurança Nacional, sediado em Taipé, expressa preocupações com a segurança de voo devido à abordagem de Beijing, que define como “irreponsável”. Isso porque os balões operam em altitudes entre 12 mil e 20 mil pés, coincidindo com as altitudes dos aviões civis.

Interferência do PCC

Em outubro, dois líderes do pequeno Partido Comunista do Povo de Taiwan (PCPT) foram indiciados pela Justiça da ilha, acusados de agir para influenciar nas eleições presidenciais e assim favorecer a China.

As acusações contra o presidente da sigla, Lin Te-wang, e o vice, Chen Chien-hsin, são baseadas em uma lei voltada a combater a ação de agentes chineses infiltrados na ilha, que Beijing considera parte de seu território.

Ex-membro do Partido Nacionalista da China, conhecido como Kuomintang (KMT), sigla mais importante de Taiwan, Lin foi expulso em 2016 e fundou o PCPT no ano seguinte. Ele é suspeito de manter, desde então, contato direto com o Gabinete de Assuntos de Taiwan, um órgão governamental chinês que na prática atua pela anexação da ilha.

Oficialmente, o objetivo do Gabinete é “implementar o trabalho do Comitê Central do PCC (Partido Comunista Chinês) em Taiwan, aderir ao princípio ‘Uma Só China’ e unir os compatriotas de Taiwan no país e no estrangeiro.” A relação entre a sigla comunista taiwanesa e o órgão governamental de Beijing são a base da acusação contra Lin e Chen.

Por que isso importa?

Taiwan é uma questão territorial sensível para a China, e a queda de braço entre Beijing e o Ocidente por conta da pretensa autonomia da ilha gera um ambiente tenso, com a ameaça crescente de uma invasão pelas forças armadas chinesas a fim de anexar formalmente o território taiwanês.

Nações estrangeiras que tratem a ilha como nação autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio “Uma Só China“, que também vê Hong Kong como parte da nação chinesa.

Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos demais países, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal parceiro militar de Taipé. Tais circunstâncias levaram as relações entre Beijing e Washington a seu pior momento desde 1979, quando os dois países reataram os laços diplomáticos.

A China, em resposta à aproximação entre o rival e a ilha, endureceu a retórica e tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação. Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que Beijing não aceitará a independência formal do território “sem uma guerra“.

A crise ganhou contornos mais dramáticos após a visita de Pelosi. Foi a primeira pessoa ocupante do cargo a viajar para Taiwan em 25 anos, atitude que mexeu com os brio de Beijing. Em resposta, o exército da China realizou um de seus maiores exercícios militares no entorno da ilha, com tiros reais e testes de mísseis em seis áreas diferentes.

O treinamento serviu como um bloqueio eficaz, impedindo tanto o transporte marítimo quanto a aviação no entorno da ilha. Assim, voos comerciais tiveram que ser cancelados, e embarcações foram impedidas de navegar por conta da presença militar chinesa.

Desde então, aumentou consideravelmente a expectativa global por uma invasão chinesa. Para alguns especialistas, caso do secretário de Defesa dos EUA Lloyd Austin, o ataque “não é iminente“. Entretanto, o secretário de Estado Antony Blinken afirmou em outubro “que Beijing está determinada a buscar a reunificação em um cronograma muito mais rápido”.

As declarações do chefe da diplomacia norte-americana vão ao encontro do que disse o presidente chinês Xi Jinping no recente 20º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC). “Continuaremos a lutar pela reunificação pacífica”, disse ele ao assegurar seu terceiro mandato à frente do país. “Mas nunca prometeremos renunciar ao uso da força. E nos reservamos a opção de tomar todas as medidas necessárias”.

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