Taiwan acusa o Partido Comunista local de tentar interferir nas eleições da ilha em favor da China

Relação dos dois líderes da sigla com o governo chinês é a base da denúncia, em meio às pretensões de Beijing de anexar o território taiwanês

Dois líderes do pequeno Partido Comunista do Povo de Taiwan (PCPT) foram indiciados pela Justiça da ilha, acusados de agir para influenciar nas eleições presidenciais, que acontecerão em janeiro de 2024, e assim favorecer a China. As informações são da agência Associated Press (AP).

As acusações contra o presidente da sigla, Lin Te-wang, e o vice, Chen Chien-hsin, são baseadas em uma lei voltada a combater a ação de agentes chineses infiltrados na ilha, que Beijing considera parte de seu território.

Ex-membro do Partido Nacionalista da China, conhecido como Kuomintang (KMT), sigla mais importante de Taiwan, Lin foi expulso em 2016 e fundou o PCPT no ano seguinte. Ele é suspeito de manter, desde então, contato direto com o Gabinete de Assuntos de Taiwan, um órgão governamental chinês que na prática atua pela anexação da ilha.

Oficialmente, o objetivo do Gabinete é “implementar o trabalho do Comitê Central do PCC (Partido Comunista Chinês) em Taiwan, aderir ao princípio ‘Uma Só China’ e unir os compatriotas de Taiwan no país e no estrangeiro.” A relação entre a sigla comunista taiwanesa e o órgão governamental de Beijing são a base da acusação contra Lin e Chen.

Bandeira de Taiwan em praça pública de Taipé, outubro de 2019 (Foto: Divulgação/Uming Photography)

De acordo com a rede Radio Free Asia (RFA), o procurador responsável pelo caso, ao justificar as acusações contra os dois políticos, disse que o PCPT é hoje um agente chinês que usa a ameaça de uma invasão armada por parte da China para tentar influenciar no pleito do ano que vem.

Lin e Chen chegaram a concorrer a cargos legislativos na ilha, sem sucesso. A acusação diz que o PCPT recebeu de Beijing cerca 40 mil novos dólares taiwaneses (R$ 6,36 mil) em financiamento de campanha, bem como uma quantia paga a cada indivíduo que protestou contra a visita a Taiwan de Nancy Pelosi, então presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, em agosto de 2022.

O Gabinete contestou a decisão judicial e acusou o Partido Democrático Progressista (DPP), atualmente no poder e favorito nas eleições, de “fazer movimentos injustificados contra aqueles que defendem a reunificação pacífica através do Estreito de Taiwan”, acrescentando que as ações foram “realizadas com intenções maliciosas”, informou a agência oficial de notícias chinesa Xinhua.

Zhu Fenglian, porta-voz do Gabinete, declarou ainda que “esses atos desprezíveis certamente serão fortemente condenados e resolutamente combatidos pelas pessoas de ambos os lados do Estreito.”

Pesquisas influenciadas

David Lai, diretor-executivo da ONG Associação de Inspiração de Taiwan, diz que Beijing de fato usa o PCPT para tentar influenciar a população da ilha. Segundo ele, as leis taiwanesas não são severas o suficiente para coibir tais atividades, e o número de agentes a serviço do governo chinês, inclusive cidadãos de Taiwan, vem aumentando.

O governo taiwanês reforçou as acusações contra a China nesta semana, dizendo que Beijing usa diversas estratégias para tentar influenciar nas eleições, conforme relatou a agência Reuters. A pressão militar sobre a ilha é uma delas, bem como a coerção econômica e a disseminação de notícias falsas.

“Estamos prestando especial atenção na cooperação dos comunistas chineses com empresas de pesquisas de opinião e de relações públicas para a possibilidade de manipular pesquisas de opinião e publicá-las para interferir nas eleições”, declarou nesta semana Tsai Ming-yen, diretor-geral do Gabinete de Segurança Nacional de Taiwan, em pronunciamento no parlamento local.

O atual vice-presidente taiwanês William Lai, do PDP, lidera as pesquisas de opinião e é favorito à vitória em janeiro. Ele está de acordo com a visão da sigla de que a autonomia de Taiwan em relação à China deve ser mantida. Beijing se recusa a dialogar com o candidato à presidência justamente por considerá-lo um separatista.

Por que isso importa?

Taiwan é uma questão territorial sensível para a China, e a queda de braço entre Beijing e o Ocidente por conta da pretensa autonomia da ilha gera um ambiente tenso, com a ameaça crescente de uma invasão pelas forças armadas chinesas a fim de anexar formalmente o território taiwanês.

Nações estrangeiras que tratem a ilha como nação autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio “Uma Só China“, que também vê Hong Kong como parte da nação chinesa.

Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos demais países, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal parceiro militar de Taipé. Tais circunstâncias levaram as relações entre Beijing e Washington a seu pior momento desde 1979, quando os dois países reataram os laços diplomáticos.

A China, em resposta à aproximação entre o rival e a ilha, endureceu a retórica e tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação. Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que Beijing não aceitará a independência formal do território “sem uma guerra“.

A crise ganhou contornos mais dramáticos após a visita de Pelosi. Foi a primeira pessoa ocupante do cargo a viajar para Taiwan em 25 anos, atitude que mexeu com os brio de Beijing. Em resposta, o exército da China realizou um de seus maiores exercícios militares no entorno da ilha, com tiros reais e testes de mísseis em seis áreas diferentes.

O treinamento serviu como um bloqueio eficaz, impedindo tanto o transporte marítimo quanto a aviação no entorno da ilha. Assim, voos comerciais tiveram que ser cancelados, e embarcações foram impedidas de navegar por conta da presença militar chinesa.

Desde então, aumentou consideravelmente a expectativa global por uma invasão chinesa. Para alguns especialistas, caso do secretário de Defesa dos EUA Lloyd Austin, o ataque “não é iminente“. Entretanto, o secretário de Estado Antony Blinken afirmou em outubro “que Beijing está determinada a buscar a reunificação em um cronograma muito mais rápido”.

As declarações do chefe da diplomacia norte-americana vão ao encontro do que disse o presidente chinês Xi Jinping no recente 20º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC). “Continuaremos a lutar pela reunificação pacífica”, disse ele ao assegurar seu terceiro mandato à frente do país. “Mas nunca prometeremos renunciar ao uso da força. E nos reservamos a opção de tomar todas as medidas necessárias”.

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