Jornal e rádio das Ilhas Salomão foram pagos para fazer cobertura positiva da China

Veículos receberam financiamento chinês para promover a "generosidade" e o papel de Beijing no desenvolvimento do país

Um jornal e uma estação de rádio das Ilhas Salomão receberam mais de US$ 130 mil do governo chinês para “promover a generosidade da China e sua intenção de ajudar no desenvolvimento do país insular”, segundo revelou uma organização anticorrupção no domingo (30), com base em um documento de financiamento. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

O acordo com Beijing contribuiu para que Honiara se tornasse um ponto crítico na queda de braço sino-americana na região após o governo do primeiro-ministro Manasseh Sogavare mudar o reconhecimento diplomático de Taiwan para Beijing em 2019.

Em julho de 2022, os proprietários do jornal Solomon Star, um dos principais veículos de comunicação locais, e da estação de rádio Paoa FM apresentaram uma proposta de financiamento à embaixada chinesa. Os veículos se propuseram a estabelecer uma parceria que beneficiaria Beijing, ao promoverem a China como o “parceiro de desenvolvimento mais generoso e confiável” nas Ilhas Salomão. Em outras palavras, pediram dinheiro para falar bem do governo chinês. E receberam.

Principal impresso local tem circulação diária de 6 mil exemplares (Foto: Solomon Star News/Reprodução Facebook)

Essa prática de “pay-for-play” – quando uma entidade recebe pagamento em troca de cobertura ou promoção positiva – foi inicialmente reportada pelo Organized Crime and Corruption Reporting Project (Projeto de Denúncia de Crime Organizado e Corrupção, em tradução literal), uma organização financiada por fundações sem fins lucrativos e agências governamentais. Os denunciantes esclareceram que seus relatórios sobre o Pacífico são subsidiados por um financiamento “sem compromisso” do governo dos EUA.

Os documentos analisados pela reportagem revelam detalhes específicos sobre uma questão que era conhecida por alguns círculos nas Ilhas Salomão: o apoio financeiro da embaixada da China à mídia do país. Uma das evidências encontradas é um e-mail datado de 17 de julho, no qual o editor do Solomon Star, Alfred Sasako, repreende diversos repórteres por conta de uma cobertura crítica da visita oficial do primeiro-ministro Sogavare a Beijing naquele mês.

“Escrevo para expressar minha profunda decepção com nosso artigo de primeira página, intitulado ‘Viagem à China exposta'”, disse Sasako no e-mail revisado pela RFA. Ele também mencionou a dificuldade em lidar com a Embaixada da China em relação ao apoio do governo chinês ao veículo.

Em seu editorial desta terça-feira (1º), o Solomon Star defendeu o financiamento do governo chinês e negou qualquer censura ou tentativa de censurar relatórios negativos por parte da embaixada chinesa. O artigo afirmou abertamente que o jornal recebe apoio financeiro da China e mencionou que outras organizações de mídia e jornalistas nas Ilhas Salomão também estão buscando ou recebendo financiamento do governo chinês.

Pandemia impactou negócios

A pandemia de Covid-19 prejudicou as finanças do Solomon Star, levando à demissão de metade de seus então cem funcionários. Além disso, uma impressora antiga resultou em atrasos na impressão das edições, conforme indicado no documento.

O meio de comunicação expressou preocupação com os atrasos na obtenção de fundos para novos equipamentos de impressão, o que afetou sua capacidade de “informar, educar e entreter o povo das Ilhas Salomão sobre a China e suas realizações de desenvolvimento”.

O jornal produz diariamente seis mil cópias impressas, com uma estimativa de que o número de leitores seja o dobro dessa quantidade.

Por que isso importa?

As Ilhas Salomão vivem um período de intensa agitação social, que especialistas associam a questões étnicas e históricas, à corrupção estatal e ao movimento do governo para estreitar laços com a China. Há quatro anos, o governo local trocou a aliança diplomática com Taiwan por uma com Beijing.

Para James Batley, um ex-alto comissário australiano para as Ilhas Salomão e especialista em assuntos sobre Ásia-Pacífico da Universidade Nacional Australiana, o desagrado da população em relação à aproximação com a China serviu como gatilho para a desordem popular que explodiu em novembro de 2021.

“Não é política externa em si, mas acho que essa mudança diplomática alimentou as queixas pré-existentes e, em particular, a sensação de que os chineses interferiram na política nas Ilhas Salomão, que o dinheiro chinês de alguma forma fomentou a corrupção, distorceu a forma como a política funciona nas Ilhas Salomão”, disse Batley.

A relação comercial com a China é considerada particularmente predatória pela população local. Mais da metade de todos os frutos do mar, madeira e minerais extraídos do Pacífico em 2019 foi para a China. A estimativa é de que esse processo tenha movimentado US$ 3,3 bilhões, apontou uma análise de dados comerciais do jornal britânico The Guardian.

Para alimentar e gerenciar a população de quase 1,4 bilhão de habitantes, a China tirou do Pacífico mais recursos do que os dez países da região juntos. Nas Ilhas Salomão e em Papua Nova Guiné, por exemplo, mais de 90% do total de madeira exportada foi para os chineses.

Os dados não levam em consideração as exportações ilícitas. Nas Ilhas Salomão, pelo menos 70% das toras são exportadas de madeira ilegal. A falta de leis na China contra esse tipo de importação absorvem o envio devido à alta demanda e proximidade com a região.

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