Livros infantis rendem 19 meses de prisão a cinco fonoaudiólogos em Hong Kong

Livros contam histórias sobre lobos e ovelhas, e governo enxerga uma alusão ao controle de Hong Kong pela China

A Justiça de Hong Kong anunciou no sábado (10) uma sentença de 19 meses de prisão para cinco fonoaudiólogos que na semana passada haviam sido julgados e condenados pela publicação de uma série de livros infantis acusados de ilustrar o domínio da China sobre o território e os protestos por democracia de 2019 . As informações são da rede CNN.

Os livros contam histórias sobre conflitos entre lobos e ovelhas, sendo que o governo enxerga nessa relação uma alusão ao controle imposto por Beijing sobre Hong Kong.

Trata-se de uma série de três volumes, todos voltados a crianças entre quatro e sete anos de idade. Em um dos livros, os lobos tentam dominar a aldeia e comer as ovelhas, que em outro volume são forçadas a sair do local onde vivem.

Na sentença, o juiz responsável pelo caso disse que as ações dos réus são “um exercício de lavagem cerebral com o objetivo de orientar as crianças muito pequenas a aceitar seus pontos de vista e valores, ou seja, (que Beijing) não tem soberania sobre (Hong Kong)”.

Segundo o magistrado, “ao identificar o governo (da China) como os lobos, as crianças serão levadas a acreditar que (o governo) está vindo para Hong Kong com a intenção perversa de tirar sua casa e arruinar sua vida feliz sem nenhum direito fazer isso”.

John Lee, chefe executivo de Hong Kong (Foto: divulgação)

Quando os autores foram detidos, em julho de 2021, as autoridades apreenderam cerca de 550 livros e folhetos, além de terem congelado 160 mil dólares de Hong Kong (R$ 107 mil, no câmbio atual). A União Geral de Fonoaudiólogos de Hong Kong, da qual os autores faziam parte, encerrou as atividades.

Os cinco acusados, que responderam pelo crime de sedição, estão detidos há mais de um ano e podem ser libertados antecipadamente, mesmo tendo se declarado inocentes.

A acusação contra o grupo se baseia em crime não previsto na lei de segurança nacional imposta pela China em 2020 e que foi uma reação direta aos protestos pró-democracia. Porém, tribunais locais têm usado os poderes conferidos pela lei para aplicar normas da era colonial que previam a sedição.

Por que isso importa?

Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

Tags: